Em janeiro de 2004 eu tinha uma viagem à Índia e decidi visitar Sri Lanka para ver a tragédia do tsunami, ocorrido no dia 24 do mês anterior. Aquele pequeno país havia sido o que mais sofrera proporcionalmente à catástrofe. Graças ao nosso embaixador na Índia, José Vicente Pimentel, que acumulava a representação do Brasil em Sri Lanka, tive apoio da consulesa honorária do Brasil, Jenifer Maragoda. Ela conseguiu colocar um helicóptero à minha disposição, com o qual sobrevoei as florestas, atravessei a ilha de uma costa a outra, desci nas praias que escolhi para conversar com os sobreviventes e ver os estragos provocados pelas ondas gigantes. Mais importante foi a Sra. Maragoda ter conseguido uma conversa minha com o escritor Arthur C. Clarke.
Eu havia me formado lendo seus geniais livros de ficção científica. Devo a ele parte da imaginação que adquiri ao longo da vida. Conhecê-lo seria estar com um ídolo. Ela conseguiu.
Fomos à casa dele, em um bairro de Colombo, de dois andares com as paredes repletas de posters de naves espaciais e astronautas. Fui até o escritório aonde Arthur Clarke chegou logo depois, em uma cadeira de rodas, com um enorme e travesso sorriso. Sentei em frente a ele, do outro lado do bureau. Antes mesmo de ficar acomodado, olhou fixo para mim e com um sorriso divertido disse: “Então, senhor Senador, você é brasileiro! Como está o clima em Buenos Aires?”.
Senti meu herói se desfazendo, mas eu não podia desmenti-lo, ainda menos dar uma lição de geografia a um dos gênios do século. Para mim, um dos maiores. Seria impossível apresentar uma proposta de reforma da Constituição mudando a capital de Brasília para Buenos Aires, preferi responder dizendo, muito seriamente: “Faz tempo que eu não vou lá”.
Ele deu uma gargalhada, olhou ao redor e rindo muito, divertido, apontando para mim disse: “Eles detestam quando confundimos Buenos Aires como capital do Brasil”. Fiquei desconcertado, mas senti um imenso alívio e ri também com a peça que ele me pregou. Felicíssimo que meu herói continuava o gênio que desde a adolescência eu me acostumei a admirar.
Conversamos um bom tempo, deu-me autografado um livro e o clássico artigo, ainda dos anos 50, em que ele propunha, de forma pioneira, a criação de um sistema de satélites estacionários que permitiriam falar por telefone de qualquer parte do mundo para qualquer parte do mundo. Na época em que escreveu o artigo, a palavra satélite artificial ainda era uma ficção e comunicação por telefone um serviço precário, quase exclusivamente por fio e local.
Quando saí da casa havia um sol forte, pensei que, se ele não tivesse se corrigido, eu passaria a considerar Buenos Aires como a capital do Brasil. Afinal, isto era menos impossível do que o mundo fantástico que Clarke criou, 70 anos antes, e que me fascina até hoje. Seria insensibilidade dizer que o tsunami me proporcionou aquele encontro, mas fiquei em débito com o Embaixador José Vicente e a Consulesa Jennifer, não apenas por conhecer Clarke, mas também por me permitirem comprovar que os gênios podem ter senso de humor.