A composição do Conselho de Segurança reflete a configuração de poder presente no fim da Segunda Guerra Mundial
Jorio Dauster, Embaixador aposentado, consultor de empresas e tradutor
A inoperância do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao ser defrontado com os trágicos conflitos na Ucrânia e em Gaza trouxe de novo ao debate público a questão de sua reforma. Na verdade, esse é um tema que remonta praticamente à criação da ONU, uma vez que o órgão supostamente encarregado da manutenção da paz foi sempre tolhido pelo exercício do poder de veto por um ou mais de seus membros permanentes. Até março do corrente ano, a Rússia (e antes a União Soviética) usou o poder de veto 128 vezes; os Estados Unidos, 85 vezes; o Reino Unido, 29 vezes; a China, 19 vezes; e a França, 16 vezes.
Mais recentemente, após serem vetadas diversas propostas sobre Gaza, o Conselho de Segurança, em 25 de março último, aprovou unanimemente uma resolução (com a abstenção dos Estados Unidos) exigindo o cessar-fogo imediato entre Israel e o Hamas, bem como a libertação imediata e incondicional de todos os reféns. Apesar dessa rara concordância, em que pela primeira vez os Estados Unidos não vetaram uma decisão rechaçada por Israel, a guerra continua sem nenhuma trégua e sem a entrega de qualquer refém.
Malgrado esse retrospecto decepcionante, ou antes devido a ele, a necessidade de reforma do sistema destinado a salvaguardar a paz mundial se torna cada vez mais urgente diante da exacerbação das tensões em vários pontos do globo. De fato, a composição do Conselho de Segurança reflete a configuração de poder presente no fim da Segunda Guerra Mundial, espelhando as condições excepcionais de que dispunham então as cinco potências nucleares.
No entanto, de lá para cá, inclusive em consequência do gradual enfraquecimento da hegemonia norte-americana e da emergência de outras potências, em especial da China, é natural que se busque novos arranjos mais compatíveis com a multipolarização em curso. Ao longo das últimas décadas, várias reformas já foram sugeridas, inclusive uma apresentada há quase 20 anos conjuntamente por Brasil, Índia, Japão e Alemanha, pela qual esses quatro países se tornariam membros permanentes (sem poder de veto) e seriam criados ainda mais dois assentos permanentes (para países africanos) e quatro não permanentes. Obviamente, todas as diversas propostas de reforma têm encontrado diferentes tipos de oposição, sendo, inclusive, conhecidas as posturas da Argentina contra a pretensão brasileira, a da China contra a presença do Japão, a dos Estados Unidos contra a entrada da Alemanha.
Entretanto, cabe persistir embora pareça pouco produtivo que o Brasil simplesmente reitere as reivindicações que faz há pelo menos três décadas. Assim, com vistas a injetar um sopro novo nesse debate até hoje infrutífero, sugiro que o Brasil, sem abdicar da candidatura à condição de único membro permanente da região, ofereça aos outros 32 países da América Latina e do Caribe, caso eleito, a possibilidade de participarem efetivamente das deliberações do Conselho de Segurança ampliado. Com isso, se estaria reconhecendo de modo implícito que os debates conducentes ao alargamento do Conselho deram caráter irrevogavelmente “regional” à futura representação dos países em desenvolvimento, inclusive no caso da África em que, ao contrário da posição reconhecidamente excepcional de que gozam o Brasil e a Índia em suas respectivas regiões, nenhum país ostenta condições idênticas a desses dois.
Em sintonia com os princípios que regem a política externa do governo do presidente Lula, o mecanismo proposto deve ser apresentado como exemplo de democratização das relações internacionais, objetivo advogado por nós e por numerosas nações latino-americanas desde os primórdios da ONU. Serviria assim tanto para atenuar a frustração dos países que não seriam membros permanentes quanto para aumentar a adesão à causa do Brasil pelos países médios e pequenos da região.
Como o objetivo desse novo mecanismo consistiria em permitir o amplo envolvimento dos 32 países associados nos trabalhos do Conselho de Segurança sob a liderança e a coordenação do Brasil, deveria ser estabelecido um sistema de consultas sistemáticas em Nova York com as representações de tais países acerca dos itens constantes da pauta daquele órgão. Por fim, de modo a garantir a efetiva coparticipação dos associados nas matérias levadas a voto, o Brasil lhes submeteria o projeto definitivo de resolução e, dentro de prazos compatíveis com a mecânica decisória do Conselho, receberia suas indicações de “voto virtual”: sim, não ou abstenção. Inexistindo consenso devido à posição divergente de três ou mais associados, o Brasil se absteria. Caso o projeto de resolução fosse rejeitado pelo Brasil ou pela maioria dos associados, a posição de todos na região seria explicitada em declaração de voto feita pela delegação brasileira.
Sem dúvida essa ideia pode e deve ser trabalhada pelos meus colegas na ativa, mas estou convencido de que, além de ser superior ao conceito de rotatividade dos novos membros permanentes, pode facilitar as acomodações em outros continentes caso também adotada por eles. Eventualmente, poderíamos então contar com uma frente sólida de 152 nações em desenvolvimento para pressionar pela imprescindível reforma do Conselho de Segurança.