Por: André P. Beirão*
O último dia 26 de setembro tinha tudo para ser um marco histórico mundial da paz. Nesse dia foi assinado o Acordo de Paz definitivo entre o governo colombiano (Pres. Juan Manuel Santos) e o chefe das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) (Sr. Timoleón Jiménez). O Acordo, celebrado por autoridades e comunidade internacionais, tem mais relevância que apenas um armistício entre grupos que exerciam o “uso da força” – sinalizava um novo marco aos processos de pacificação. No entanto, mais uma vez, o cenário projetado viu-se alterado. Por mais de 50 anos as FARC empreenderam ações que, partindo de mera oposição política, alçaram ações violentas e, auferindo receitas do tráfico de drogas, geraram forte instabilidade nacional, que, por vezes, quase fragmentou a integridade nacional colombiana.
Cada vez mais atuando com ações de guerrilha, as FARC chegaram a ser reconhecidas internacionalmente como organização terrorista (por exemplo, EUA e Rússia). Ao longo desses anos, o combate redundou na morte de mais de 200 mil pessoas e gerou quase 7 milhões de deslocados nacionais. Os principais pontos relevantes do Acordo pretendido consolidavam a aceitação, pelas FARC, da entrega de armas (ponto de mais difícil negociação); o cessar-fogo bilateral e definitivo; a garantia de possibilidade de articulação política de opositores; e, o combate a condutas criminais que ameaçassem a construção da paz. Por outro lado, as ações persecutórias e indenizatórias dos guerrilheiros seriam mitigadas. No entanto, pode-se dizer que se trata mais de um reinício que um fim.
A maciça expectativa (nacional e mundial) era que o referendo de consulta à população ratificasse o acordo. No entanto, especialmente influenciados pela campanha contrária empreendida pelo exPresidente colombiano Álvaro Uribe, muitos questionamentos internos de necessidade de punição aos guerrilheiros e de garantias efetivas de aceitação e unidade destes em cumprir o Acordo geraram ambiente inesperado nos maiores centros urbanos colombianos. A não imputação às FARC de crimes de guerra levou à forte adesão, em especial nas áreas rurais e mais afetadas pelo longo período de guerrilhas, da refutação ao Acordo.
Em 02 de outubro último, realizado o referendo, por pequena margem de vantagem, o “Não” saiu vitorioso. Autoridades governamentais colombianas já reiniciaram estudos sobre novos passos, a ajuda cubana apressou-se em colocar-se ao dispor para novas negociações e o comando das FARC demonstrou, com pesar, que a paz permanece como meta a ser construída. Portanto, a expectativa frustrada da consolidação do Acordo, que era bastante inovador, levará a novos capítulos de final ainda incerto.
*O Capitão de Mar e Guerra da Reserva André Panno Beirão é Doutor em Direito Internacional pela UERJ e Professor do Mestrado Profissional em Estudos Marítimos (PPGEM) da Escola de Guerra Naval.