BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O chanceler Carlos França deve mudar a abordagem do Brasil na relação com a China, mas manter a agenda conservadora do bolsonarismo na pauta de costumes. A avaliação é de pessoas próximas ao novo ministro, escolhido na segunda-feira (29) por Jair Bolsonaro para substituir Ernesto Araújo.
Diplomata discreto, ele também deve retirar do dia a dia do Itamaraty referências ao escritor Olavo de Carvalho e ao chamado globalismo, slogan político utilizado por movimentos populistas de direita para denunciar uma suposta perda de identidade nacional dos países. Esses gestos, segundo interlocutores, devem enviar um sinal para parceiros estratégicos de que existe uma nova interlocução no Itamaraty.
O maior alvo da repaginação da retórica, no entanto, é mesmo a China, muitas vezes tratada como inimigo por Ernesto. As constantes rixas com o país asiático foram um dos principais motivos que levaram à rebelião do Congresso -principalmente do Senado- contra o agora ex-chanceler.
Com os chineses, a aposta é a de que França redirecione o Itamaraty a uma política que vigorou até antes da última administração. Uma abordagem pragmática, voltada para relação comercial e que não associe o regime chinês à disseminação do coronavírus.
Outro campo que deve ser prioritário para o novo ministro das Relações Exteriores é a agenda bilateral com os Estados Unidos. Figuras da ala mais à esquerda do Partido Democrata, do presidente Joe Biden, nunca engoliram as manifestações de simpatia de Ernesto pelos invasores do Capitólio.
França, até então um diplomata de pouca expressão no Itamaraty, chega ao cargo sem o peso do histórico de declarações públicas de apreço a Donald Trump. Ainda segundo aliados, ele também sabe que o item mais importante da agenda com os EUA é o meio ambiente, na medida em que o governo Biden espera maiores compromissos do Brasil com as metas de redução da emissão de CO?.
Quem espera um completo retorno ao Itamaraty pré-Ernesto, no entanto, tende a se frustrar. Interlocutores afirmam que França tem consciência de que, para se manter no cargo, precisará realizar acenos à ala ideológica do governo. Afinal, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro e ponta de lança desse grupo, pretende manter influência sobre a chancelaria.
Ainda assim, a pauta conservadora deve permanecer em áreas que não são consideradas nevrálgicas para as relações internacionais do país, ou seja, que não afetem a interlocução com sócios prioritários.
Nesse sentido, a expectativa é a de que o Brasil continue se alinhando na ONU (Organizações das Nações Unidas) a países que defendem restrições a direitos reprodutivos e das mulheres, por exemplo.
Em julho do ano passado, a delegação brasileira se absteve numa votação de um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre discriminação contra mulheres e meninas. Em outra ocasião, o governo Bolsonaro foi contra, em um documento da ONU, a menções sobre acesso universal a serviços de saúde reprodutiva, por considerar que as expressões davam margem à promoção do aborto.
Esses temas são caros à base de apoio de Bolsonaro, principalmente aos evangélicos. A nomeação de França foi publicada na manhã desta terça-feira (30) no Diário Oficial da União. Ele ainda não tomou posse. Durante a manhã, ele despachou normalmente de seu gabinete no Palácio do Planalto, onde era chefe da assessoria especial do presidente.