Juliana Elias, do CNN Brasil Business, em São Paulo
Com isso, Okonjo-Iweala, que foi ministra das Finanças e do Comércio Exterior da Nigéria, se torna tanto a primeira mulher quanto a primeira pessoa africana a assumir o posto principal da organização. A assembleia que deve formalizar sua posse acontece nesta segunda-feira (15), de maneira virtual, às 15h do horário de Genebra (11h em Brasília).
A nomeação de Okonjo-Iweala conseguiu seguir em frente depois que o novo presidente norte-americano, Joe Biden, na semana passada, declarou à candidata o apoio que os Estados Unidos vinham há meses resistindo em dar. Os chefes da OMC não são eleitos, mas escolhidos, tradicionalmente, por um consenso construído entre os líderes dos mais de 160 países que compõem a entidade.
O nome da nigeriana já tinha amplo apoio dos associados no ano passado, mas, em outubro, o então presidente americano Donald Trump se opôs à nomeação e deixou a sucessão travada desde então. Trump, que encerrou seu mandato em 20 de janeiro, era partidário de Yoo Myung-hee, ministra do Comércio da Coreia do Sul, para o cargo.
Yoo, por sua vez, renunciou à candidatura na semana passada, prometendo o apoio da Coreia do Sul à OMC e à nova chefe. A movimentação também bota fim a um hiato de seis meses em que a OMC ficou sem diretor-geral titular – o antecessor de Okonjo-Iweala, o brasileiro Roberto Azevedo, deixou a cadeira em agosto, um ano antes do previsto, depois de coordenar a organização pode sete.
Globalização em crise e OMC em revisão
Além de ser ministra da Nigéria em três momentos diferentes entre 2006 e 2015, Okonjo-Iweala construiu também uma longa carreira como economista do Banco Mundial, onde trabalhou por 25 anos à frente de projetos ligados a desenvolvimento e políticas comerciais voltadas para os países mais pobres. Chegou ao cargo de diretora administrativa, um dos mais altos do banco global de desenvolvimento.
Ela chega à autoridade máxima do comércio global em um momento especialmente delicado para as relações comerciais internacionais, com a globalização que deu fruto à OMC, há 25 anos, em contestação, enquanto o protecionismo avança em vários países e de diversas maneiras.
Trump, que contestou abertamente os acordos de livre comércio da OMC ao longo de todo os quatro anos de seu mandato, além de ter elevado as tensões com a guerra de barreiras comerciais que travou com a China, foi um episódio barulhento desse movimento. Sua saída da presidência do país mais rico do planeta, porém, está longe de encerrar a tendência de um mundo cada vez mais protecionista e menos globalizado.
Mesmo com o democrata e mais diplomático Joe Biden agora à frente dos EUA, poucos acreditam que haverá uma mudança substancial nas tentativas tanto dos Estados Unidos quanto de outros países de protegerem cada vez mais a sua indústria e seus empregos.
O papel da OMC e de sua nova chefe, neste contexto, fica ainda mais desafiador. A OMC foi formada em 1995, quando a integração do comércio global chegava a seu auge. Os fluxos de exportações, importações e investimentos entre países de todos os blocos cresciam a patamares sem precedentes. O nível de internacionalização das grandes empresas, com partes de sua produção espalhadas por todo o mundo, também era inédito.
A OMC foi, então, estruturada como uma evolução do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla inglês), tratado assinado em 1948 pelas grandes potências e que havia vigorado desde então no sentido de moderar os excessos das barreiras comerciais de cada país e promover a integração global.
Enquanto o GATT era apenas um acordo de países signatários, voltado exclusivamente para a circulação de bens, a OMC tomou corpo de uma organização estruturada e que passou a olhar também para o comércio internacional envolvendo serviços e propriedades intelectuais.
Após a crise financeira internacional de 2008, porém, este movimento de abertura começou a andar para trás, acuado ainda pelo crescimento fenomenal da China e da concorrência voraz de seus produtos sobre o comércio mundial a partir de 2001 –ano em que o país asiático passou também a integrar a OMC.
“A OMC precisa de um líder neste momento”, disse Okonjo-Iweala, em uma entrevista recente. “É necessário um novo olhar, um rosto novo, um estranho, alguém com capacidade para implementar reformas e trabalhar com os membros para garantir que a OMC saia da paralisia parcial em que está.”