Ana Cristina Dib
Representantes dos países do Mercosul e do Canadá estarão reunidos em Brasília entre os dias 11 e 15 de junho para uma segunda rodada das negociações de um acordo de livre comércio entre o bloco integrado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e o Canadá.
O processo negociador foi lançado no dia 9 de março, em Assunção, e no dia 19 daquele mês, em Ottawa, aconteceu uma primeira rodada negociadora. Dentro de pouco mais de duas semanas, representantes dos cinco países voltarão à mesa de negociação e a expectativa é de que primeiros e importantes avanços sejam alcançados na busca de um documento de liberalização comercial entre as duas partes.
Segundo uma fonte do Itamaraty, a expectativa é de que em dois anos a negociação possa estar concluída e o acordo seja encaminhado aos parlamentos dos países-membros do Mercosul e do Canadá para ser ratificação e entrada em vigor.
Segundo a fonte especializada em negociações comerciais da chancelaria brasileira, as tratativas do acordo de livre comércio com o Canadá devem seguir um ritmo distinto daquele imprimido, por exemplo, às negociações em curso há quase duas décadas com a União Europeia.
E há vários motivos para que isso aconteça. Em primeiro lugar, enquanto as negociações com o bloco europeu envolvem a participação dos 28 países-membros da UE, além dos quatro integrantes do Mercosul, no caso do acordo com o Canadá as tratativas se darão entre o Mercosul e um único país, o que permitirá que o processo transcorra num ritmo mais acelerado.
Além disso, conforme sublinha a fonte, antes do início das negociações formais, o Canadá realizou um trabalho muito grande de consultas internas que permitiu aparar arestas e alinhar posições.
Por outro lado, a rodada de Ottawa foi precedida por uma série de diálogos exploratórios, que lançaram as bases das negociações e serviram, conforme atesta a fonte do Itamaraty, para apontar as linhas vermelhas de cada parte. Essas linhas já foram mapeadas e os principais temas identificados começarão a ser abordados na reunião que começa no dia 11 de junho em Brasília.
A fonte destaca que o encontro de Brasília será o primeiro a reunir as equipes completas das duas partes negociadoras: “em Ottawa tivemos uma rodada parcial, pois boa parte dos negociadores dos países do Mercosul permaneceram em Assunção, dando continuidade às negociações com a União Europeia. Ainda assim a reunião foi bastante produtiva e mostrou que existem muitos pontos de convergência e de aproximação entre o Mercosul e o Canadá”.
As negociações com os canadenses têm aspectos singulares para os membros do Mercosul, conforme lembra a fonte diplomática: “um processo negociador tipo 4+1 é algo novo para o Mercosul. Temos negociações em curso com a União Europeia e seus 28 estados-membros e com os integrantes da EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio). Agora estamos iniciando um diálogo com um único país, assim como vem sendo feito com a Coreia do Sul e em breve será lançado com outros países, como por exemplo a Austrália e Nova Zelândia”.
Outro aspecto relevante das negociações que se iniciam com o Canadá diz respeito à inserção no processo de temas inovadores –e que não constam, por exemplo, da pauta negociadora com a União Europeia-, como o comércio inclusivo, que contribui para o desenvolvimento justo e sustentável, e questões de gênero.
De acordo com a fonte, “o comércio inclusivo é um dos capítulos de destaque das negociações. O tema e as questões de gênero desfrutam de grande apreço por parte do governo canadense e as decisões a serem tomadas em relação a esses assuntos darão ao futuro acordo características singulares”.
Na visão da fonte diplomática, “é muito importante para o Mercosul firmar um acordo de livre comércio com o Canadá, um país que tem uma vasta rede de acordos dessa natureza com um grande número de países e blocos econômicos de todo o mundo. O Brasil tem negociado acordos com a União Europeia e agora com o Canadá porque sem esses acordos o país perde mercado para concorrentes como a própria União Europeia e mesmo para países como a Colômbia, que já firmou um acordo de livre comércio com o Canadá”.
Considerado por muitos como “um exemplo para o mundo” por causa de sua abertura em diversos níveis, pelo liberalismo, pelo apreço às questões sociais e pela defesa dos acordos de livre comércio, o Canadá é visto pelo Brasil como um parceiro relevante e especial.
Na visão do secretário-geral da OCDE, José Ángel Gurria, “o Canadá é um exemplo de um país que adota medidas corretas afim de romper com a espiral de crescimento econômico frágil”. Para tanto, o país sempre procura incluir nas negociações comerciais temas atuais e inovadores, como o comércio inclusivo e as questões de gênero.
Além de uma temática ousada, o Canadá também acena aos parceiros, como o Mercosul, com animadoras propostas concretas. Entre elas, a de que está disposto a liberar o mercado de compras públicas não apenas em nível federal mas também na esfera das províncias canadenses. Um mercado de aproximadamente US$ 250 bilhões ao qual empresas brasileiras poderão ter acesso quando o acordo entrar em vigor.
De acordo com um estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a negociação de um acordo comercial entre o Mercosul e o Canadá deverá criar oportunidades de negócios para 321 produtos brasileiros que hoje competem em condição de desigualdade no concorrido mercado canadense. Entre os setores que podem ser beneficiados a CNI nomeia o automotivo, produtos químicos, metalurgia, agricultura e pecuária, produtos minerais e equipamentos de informática.
Com a assinatura do acordo, exportadores brasileiros deixarão de enfrentar tarifas de importação nas áreas de autopeças (6%), calçados (16% a 18%), sem falar de bens agroindustriais, onde as barreiras podem chegar a estratosféricos 70%.
O estudo da CNI revela que da relação de 321 produtos importados pelo Canadá e que o Brasil vende ao exterior mas não exporta para os canadenses, a grande maioria dos produtos da lista de oportunidades envolve manufaturados (255 produtos), seguidos de produtos básicos (39) e semimanufaturados (27).
Para o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge, o futuro acordo Mercosul-Canadá contribuirá para um aumento expressivo do fluxo de comércio brasileiro com os canadenses, além da diversificação da pauta exportadora para aquele país, hoje bastante concentrada. O acordo deverá envolver temas como o comércio de bens, serviços, compras governamentais, pequenas e médias empresas, barreiras não tarifárias e propriedade intelectual, entre outros.
Em 2017, a corrente de comércio Brasil-Canadá totalizou US$ 4,480 bilhões, com exportações brasileiras no montante de US$ 2,719 bilhões e vendas canadenses da ordem de US$ 1,761 bilhão, proporcionando ao Brasil um superávit de US$ 958 milhões.
Este ano, de janeiro a abril, as exportações brasileiras somaram US$ 932 milhões (alta de 7,27% comparativamente com o mesmo período de 2017) e os embarques canadenses para o Brasil totalizaram US$ 563 milhões (alta de 14,98%)
Esses números fazem do Canadá o décimo-oitavo país no ranking das exportações brasileiras e o vigésimo-terceiro colocado no ranking das importações. Posições modestas para um gigante do comércio internacional e que devem ser profundamente alteradas com a assinatura do acordo de livre comércio Mercosul-Canadá.