Por Nabil Adghoghi / Embaixador do Marrocos no Brasil
Marrocos faz parte do círculo muito restrito de países que têm duplo acesso marítimo: o Atlântico e o Mediterrâneo. O país está totalmente empenhado na otimização estratégica deste precioso ativo geográfico, depois de Sua Majestade o Rei Mohammed VI ter tido a amabilidade de delinear os seus contornos e definir o seu rumo.
Através da sua fachada mediterrânica, Marrocos está firmemente ancorado na Europa, o seu lado atlântico dá-lhe acesso completo a África e uma janela para o espaço americano. O nosso desejo é que a fachada atlântica se torne um lugar elevado de comunhão humana, um polo de integração econômica, um centro de influência continental e internacional”, anunciou o rei em novembro de 2023.
Com mais de 3 mil quilômetros de extensão no Atlântico, Marrocos possui o litoral marítimo mais extenso da África e compartilha a mesma vantagem geográfica com o Brasil, já que as costas brasileiras se estendem por mais de 8 mil quilômetros.
De forma igualmente convergente, Marrocos e Brasil promoveram, quase simultaneamente em 2020, no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os respectivos direitos soberanos sobre o seu mar territorial, a sua zona econômica exclusiva e a sua plataforma continental.
Os dois países, fiéis à sua conhecida vocação “multilateralista”, pretendem, através da delimitação dos seus respectivos espaços marítimos, exercer, de forma responsável, os seus atributos de soberania e jurisdição, otimizando ao mesmo tempo esses espaços marítimos como lugar de conexão e cooperação.
à luz desta vocação marítima partilhada que podemos compreender a projeção atlântica de cada um dos dois países. Do lado brasileiro, trata-se principalmente da ZOPACAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul), que o país lançou em 1986 e que reúne 24 países dos dois lados do Atlântico.
Para o Marrocos, os três projetos mais emblemáticos neste contexto são o porto de Dakhla-Atlantique e o corredor logístico em benefício dos quatro países africanos do Sahel (Mali, Níger, Burkina Faso, Chade); o gasoduto Nigéria- Marrocos, cujo objectivo é ligar as instalações energéticas de 14 países africanos ribeirinhos do Atlântico; bem como o PEAA (Processo dos Estados da África Atlântica) que Marrocos lançou em 2020 e que visa estimular a integração regional de 23 países da costa atlântica de África, através de três “cestos”: 1) segurança, 2) economia azul, marítima conectividade e energia, e 3) desenvolvimento sustentável.
Todas estas iniciativas convergem e pretendem gerar sinergias e formar complementaridades, desde que visem tornar o Atlântico Sul um espaço politicamente seguro, economicamente integrado e sustentável.
Certamente, a afirmação, em ambos os lados do Atlântico, da irrefutável vocação marítima de Marrocos e do Brasil constitui uma alavanca adicional para elevar a parceria bilateral Marrocos-Brasil a um patamar estratégico e optimizar os activos intrínsecos que fazem a singularidade desta relação, nomeadamente referências históricas e humanas que remontam ao século XIX, um credo multilateralista constantemente defendido pelos diplomatas dos dois países e em constante crescimento de interesses económicos cruzados.
“Vantagens” que a diplomacia marroquina e brasileira tem trabalhado para destacar desde a visita de Estado feita por Sua Majestade o Rei Mohammed VI ao Brasil em novembro de 2004.
Desde então, Marrocos e Brasil conseguiram construir, sob o duplo selo da confiança e da ambição, uma relação sólida e robusta, uma relação multiatores e multissetorial, uma relação que tem investido, com grande sucesso, nos nichos de segurança alimentar e logística aérea e marítima.
Da mesma forma, a vocação marítima de Marrocos e do Brasil também capitalizará o quadro jurídico bilateral, que tem sido muito enriquecido nos últimos anos, particularmente para acordos e convenções relativos à defesa, segurança, não-dupla tributação ecooperação aduaneira. Irá impulsionar ainda a cooperação técnica, principalmente nos setores de energias renováveis, hidrogênio verde e oceanografia.
Em suma, é um bom presságio constatar que Marrocos e Brasil convergem plenamente no facto de que, para melhor compreender os novos conceitos de nearshoring, economia azul e soberania marítima que são agora essenciais na geoeconomia, a dimensão marítima é, mais do que no passado, condição necessária para estabelecer a projeção estratégica de cada um dos dois países, seja a nível regional ou global.
É igualmente feliz constatar que o estatuto de “ator global” a que tão legitimamente aspiram, tem como postulado básico a complementaridade do seu principal ativo: a segurança alimentar (fertilizantes para Marrocos e elevada produtividade agrícola para o Brasil). Uma ambição que apreende também, e com o mesmo interesse, o entrelaçamento competitivo entre terra e mar, com corredores multimodais interligados para o Brasil e plataformas de processamento logístico de padrão internacional para Marrocos (Tânger- Med e Dakhla-Atlântico).
Esta convergência de pontos de vista entre Marrocos e Brasil ressoa como uma reminiscência da história, dado que os primeiros contactos diplomáticos entre Marrocos e Brasil datam de 1860, após o resgate, na costa de Tânger, por marinheiros marroquinos do barco brasileiro “Donna Isabella”. Desse episódio nasceu uma relação de estima e cordialidade entre as casas reais dos dois países, coroada alguns anos depois pela abertura da primeira representação consular do Brasil em Tânger.
A história única entre Marrocos e Brasil, iniciada há mais de 150 anos, irá obviamente escrever uma nova página, investindo plenamente no Atlântico e optimizando os seus múltiplos ativos e atracções, da economia azul à pesca sustentável, da oceanografia à coordenação de segurança.
O horizonte que se aproxima é que Marrocos e Brasil estejam na vanguarda de uma nova articulação geopolítica do Atlântico e na vanguarda de uma correlação geoeconómica inovadora entre as duas margens deste espaço com elevado potencial promissor.