RIO – De modo variado e gradual, mas firme, as quarentenas na grande maioria dos países da Europa ocidental começaram a ser suspensas há mais de um mês. Na Itália, bares e restaurantes voltaram a funcionar, com capacidade reduzida, em 18 de maio, mesmo dia em que foram permitidos cabeleireiros e missas, com uso de máscaras. As escolas primárias haviam reaberto na França uma semana antes, e o país agora se encontra na “zona verde”, quando as restrições podem ser suspensas mais rápido. Pequenas lojas na Alemanha começaram a reabrir, com clientes de máscaras, no final de abril. Na Espanha, clientes puderam começar a tomar uma cerveja em bares com terraço no dia 11 de maio, e cinemas e teatros os seguiram uma semana depois, com 30% da capacidade.
Em todos estes países, outra característica se repete: a saída da quarentena não levou a uma explosão desenfreada de novos casos da Covid-19. Apesar de focos preocupantes brotarem pela Europa, e de países como Ucrânia e Rússia terem problemas sérios, os índices permanecem, de forma geral, muito inferiores aos de março e abril, quando o continente era o principal epicentro da pandemia.
Estudos conclusivos que apontem por que a pandemia segue contida na Europa ainda precisam ser conduzidos, mas pesquisadores da área de saúde têm diversas hipóteses para explicar os índices mais baixos de novas infecções.
Respeitadas pela população, as medidas rígidas de isolamento tiveram resultados muito positivos, eles afirmam. Apesar de o vírus ainda circular em níveis baixos, as medidas de contenção atuais, como o uso de máscaras e a higienização das mãos, têm se mostrado efetivas para deter a epidemia. Há, ainda, a possibilidade de o vírus ser sazonal, o que normalmente ocorre com outras doenças respiratórios em países temperados. Por fim, a capacidade de fazer testes agilmente e detectar cadeias de transmissão em seu início tem sido crucial para evitar amplas disseminações.
Diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, Antoine Flahault indica como principal hipótese para o controle da Covid-19 a continuação “dos efeitos das quarentenas, que se provaram muito eficazes”.
— Quarentenas como as que vivemos nunca tinham sido implementadas e foram inventadas pelos chineses. Tiveram um grande impacto social, mas também deram uma enorme contribuição para quebrar a cadeia de transmissão de maneira sustentável — afirmou Flahault.
O fato de a suspensão das medidas de isolamento “não ter sido repentina, mas progressiva”, e, em boa medida, ainda permanecer, colaboram, disse ele. Em Genebra, “a maioria das pessoas não usa máscaras no transporte público”, mas muitas pessoas ainda continuam a trabalhar remotamente. O uso de máscaras no transporte é obrigatório em outros lugares, como a França.
— Há algumas variações entre os países, e isto é interessante, porque conseguiremos perceber o que faz e o que não faz diferença — disse.
Flahault aponta, ainda, a possível sazonalidade do vírus. Ele afirmou que, em zonas temperadas — mas não nas intertropicais, como o Brasil — doenças respiratórias costumam ser sazonais. Mais do que a umidade e a temperatura, o principal fator para isso é o tempo de luz do sol, que interfere no número de horas que as pessoas passam em ambientes fechados ou ar livre.
Pesquisador do Instituto de Saúde Global (ISGlobal), de Barcelona, Alberto García-Basteiro afirma que cerca de 90% da população espanhola não têm anticorpos e permanece suscetível à Covid-19. O que impede uma nova grande epidemia, como em fevereiro e março, segundo ele, é a adesão da população à contenção :
— Com a percepção do risco, houve um grande aderência a medidas efetivas de distanciamento, proteção e higiene. Na Espanha, há um grau de comprometimento notável, e vemos pessoas de máscaras nas ruas e no transporte. Só em restaurantes às vezes vemos pessoas sem utilizá-las — disse García-Basteiro.
O pesquisador afirmou que “provavelmente o uso de máscaras oferece uma proteção muito mais alta do que se pensava no início, e pode ter um papel fundamental”. Outro medida muito importante, segundo Daniel Camus, professor de doenças infecciosas na Universidade de Lille, na França, “foi evitar aglomerações”. Ele dá como exemplo a suspensão de festivais no verão:
—Com isto, temos conseguido manter os índices de infecção abaixo de 1, o que significa que a doença está encolhendo — afirmou Camus.
Rápido rastreio
A vigilância epidemiológica e o monitoramento, ressalta Camus, também “são muito importantes”, porque, quando há alguns casos em uma região, eles são rapidamente isolados, e os seus contatos são rastreados e postos em observação, com a imposição de possíveis isolamentos focalizados.
— Se deixássemos a epidemia evoluir sem rastreamentos, poderia surgir um grande surto fora de controle. Quando temos alguns casos na mesma área, buscamos seus contatos, os isolamos, e continuamos a monitorá-los. Isto diminui o tempo que a pessoa que tem a doença vai circular e transmiti-la— disse Camus.
García-Basteiro diz que o investimento em monitoramento é inteligente também do ponto de vista econômico:
— Isto requer recursos em vigilância epidemiológica, mas é muito mais barato do que investir em respiradores ou UTIs.. Vale a pena investir em equipes que possam ir às casas, telefonar e saber como as pessoas estão — disse.
Todos os pesquisadores sublinham que, a despeito da situação atual, os riscos permanecem. No caso da gripe espanhola, a segunda onda foi muito mais letal que do a primeira. Um exemplo dos perigos foi visto nesta semana, quando um foco com mais de 650 infecções foi identificado em um matadouro na Alemanha. Os temores se acentuam com abertura, há cinco dias, das fronteiras internas da União Europeia. Em caso de emergência, o que os países buscam agora, segundo Flahault, é, uma alternativa a um a ampla quarentena:
— Sabemos muito bem que uma segunda onde pode acontecer, talvez no outono. Neste caso, os governos não querem impor quarentenas outra vez, e estão olhando para a experiência de países que contiveram o vírus sem fazer isso, como Japão, Coreia do Sul e Taiwan. Mesmo assim, é possível que possa vir a ser necessário combinar medidas de distanciamento social, de rastreamento e do uso de de equipamentos de proteção — afirmou Flahault.