Nos últimos anos, em nosso país, jornalistas, veículos de comunicação e a Imprensa enquanto instituição vêm sofrendo reveses consecutivos. Problemas econômicos não são as causas, mas as consequências de uma sucessão de acontecimentos. O marco zero para esta avaliação remonta a 2009. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal ratificou o voto de autoria do ministro Gilmar Mendes abolindo a obrigatoriedade do diploma universitário para o exercício profissional da atividade de jornalista. Apenas um entre os onze ministros do STF tentou preservar o diploma: Marco Aurélio Mello, que se aposentou em julho deste ano.
A consequência imediata após a decisão do STF se tornar notícia foi uma grande evasão de alunos dos cursos superiores universitários, praticamente sucateando-os. Por que investir tempo e dinheiro numa formação de nível superior cujo diploma é desnecessário? Para que serve um título universitário que, diferente do que acontece em outras profissões, não é um pré-requisito para ingressar no mercado de trabalho?
Já vivíamos, em paralelo, tentativas de desmonte da chamada mídia tradicional, representada pelos veículos de comunicação centenários que assumem em sua gênese compromissos como lidar com informações, e não apenas com opiniões, ouvir diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto, tentar preservar a imparcialidade e levar fatos apurados e checados ao conhecimento do leitor. Há muito, nas plataformas digitais, a informação tendenciosa é estimulada com recursos públicos em forma de publicidade, desde que construam narrativas de apoios aos governantes da vez.
Esse quadro evoluiu com a tecnologia e as redes sociais. Para pior, na contramão da valorização mundial da transparência, da integridade e da ética. Avançou para a onda avassaladora de Fake News que vivenciamos, especialmente no Brasil. Disseminar crenças sem amparo de evidências tem sido uma atitude contínua de muitos agentes públicos. Não se trata só de mentir – o que já é bem grave. Mas também de abusar da boa fé da maioria da sociedade, ao manipular a verdade.
Mais recentemente, além dos questionamentos tácitos aos jornalistas, ao incentivo financeiro a “noticiários tendenciosos”, à explosão das fake news, passamos a assistir ataques explícitos a profissionais da informação. No meio off line, ali, cara a cara, há xingamentos, agressões físicas, tentativas de desmoralização. Haja inteligência emocional para suportar empurrões, ameaças e cusparadas de desconhecidos, arremessadas em meio a gritos e ofensas.
Nos meios digitais, a violência se diversifica e se agrava. Gera imagens como a do rosto de uma competente e respeitada jornalista acoplada por manipulação proposital a um corpo feminino nu, de pernas abertas e dinheiro na vagina. Mais de um milhão de compartilhamentos sem qualquer empatia com a personagem aviltada, sem considerar que ela é filha de alguém, tem pais, irmãos, filhos. Se fosse com alguém da sua família?
Todos esses movimentos, sistêmicos, evidentemente geram sequelas e implantam na sociedade um rastro de dúvidas e de descrença. Esses sentimentos cravados no peito de parte da população beneficiam os agressores e suas fake news. Fazer notícia no cenário atual no Brasil é um ato de resistência pacífica. O Covid-19 vem resgatando o valor da ciência, a relevância de fatos e o papel da Imprensa como um grande prestador de serviços à população. Sim, há problemas nesse ofício de informar, que muito parece com um sacerdócio.
Há deficiências na formação profissional, agravadas pela decisão suprema de 2009. Deficiências que carregam também o DNA da precariedade e da desatenção que nossa sociedade imprime à Educação em todos os seus estágios. Há baixos salários, carga horária puxada, ambiente insalubre e condições questionáveis de trabalho, especialmente para os repórteres que são enxovalhados no meio da rua.
Há pouco espírito de corpo entre os jornalistas, muito aquém do que vemos em profissões igualmente nobres, como médicos, advogados e tantas outras em que ter um diploma é essencial. Essa característica mostra sua face ruim também para dentro da profissão. Por exemplo, é muito comum o jornalista de redação fazer questão de passar por cima do colega e demonstrar descaso ao jornalista que atua em assessoria de comunicação. Até que ele próprio vira um assessor de comunicação e o ciclo nocivo segue se repetindo.
Mas a Imprensa, no Brasil e em qualquer lugar deste planeta, continuará a ser o meio de informar a sociedade, com serviços, denúncias, fomento à ética e à transparência. Quando tudo parece perdido, vem a Imprensa e revela a corrupção, o ato improbo, o testemunho de anônimos que apontam o dedo e ajudam a diagnosticar feridas estruturais.
Jornalista não é justiceiro. É um profissional que, em geral, exerce com paixão e muita seriedade uma jornada árdua de trabalho, com plantões nos finais de semana, debaixo de chuva e sol, sob riscos, ataques e surpresas. E que, em sua maioria, quer chegar ao fim do dia compartilhando com a sociedade o que viu e ouviu. E quer ir para casa como a maioria dos trabalhadores, com a sensação de dever cumprido e o desejo de contribuir para um Brasil melhor.
Jornalista, Mestre em Neuromarketing e Mestranda em Comportamento Não Verbal e Detecção de Mentiras, Diretora do Grupo Engenho Comunicação e Presidente do Prêmio Engenho de Comunicação.