Reconhecimento concertado da Palestina por parte de Dublin, Oslo e Madri provoca a ira de Israel, que convoca embaixadores e denuncia “recompensa ao terrorismo”. Três quartos dos países do mundo adotaram medida
Israel acusou os governos de Espanha, Noruega e Irlanda de “recompensarem o terrorismo” e convocou seus embaixadores nos respectivos países, após eles anunciarem que reconhecerão oficialmente o Estado palestino. “A intenção de vários países europeus de reconhecer um Estado palestino é uma recompensa ao terrorismo. Oitenta por cento dos palestinos na Judeia e em Samaria apoiam o terrível massacre de 7 de outubro. Este mal não pode receber um Estado. Este seria um Estado terrorista. (…) Recompensar o terrorismo não trará paz, nem nos impedirá de derrotar o Hamas”, advertiu o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. A chancelaria de Israel também indicou que convocaria os embaixadores norueguês, espanhol e irlandês em Tel Aviv para expressar sua insatisfação.
Em discurso no Parlamento e em meio a aplausos, o premiê espanhol, Pedro Sánchez, explicou que os partidos que conformam o governo de coalizão acordaram a aprovação, em 28 de maio, do reconhecimento do Estado da Palestina por parte do Conselho de Ministros. “Chegou a hora de passar das palavras para a ação. Pela paz, pela justiça e pela coerência”, afirmou. Ele telefonou para o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, que externou seus agradecimentos ao líder socialista. “Com esse importante passo, queremos contribuir para relançar um processo político que ponha fim à violência e vislumbre um futuro de segurança e de prosperidade no Oriente Médio”, explicou Sánchez.
A 2,3 mil quilômetros de Madri, em Dublin, o primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, reuniu a imprensa e avisou que “chegou o momento de reconhecer a Palestina”. “Eu conversei com outros líderes e estou confiante em que outros países se unirão a nós e tomarão esse passo importante nas próximas semanas”, avisou. “Este é um dia importante e histórico para a Palestina e a Irlanda.”
Em Oslo, capital da Noruega, o premiê Jonas Gahr Store, também fez um pronunciamento à nação. “No meio de uma guerra, com dezenas de milhares de mortos e feridos, nós temos de manter viva a única alternativa que oferece uma solução política para israelenses e palestinos: dois Estados, vivendo lado a lado, em paz e em segurança”, declarou. O chefe de diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, prometeu trabalhar “incansavelmente com todos os Estados-membros por uma posição comum da UE baseada em uma solução de dois Estados”.
Aliado de Israel, os Estados Unidos manifestaram oposição ao “reconhecimento unilateral” de um Estado Palestino. A Casa Branca advertiu o governo Netanyahu a não reter fundos para a Palestina, em retaliação aos anúncios de Oslo, Madri e Dublin. “Ele (o presidente Joe Biden) foi enfático, ao afirmar que a solução de dois Estados deve ocorrer mediante negociações diretas entre as partes, e não através do reconhecimento unilateral”, observou Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional.
Ibrahim Alzeben — embaixador da Palestina no Brasil — celebrou o anúncio dos três países europeus, mas destacou a importância de Londres e Washington tomarem a mesma medida. “O Reino Unido é o principal responsável pela tragédia palestina e pelo conflito. O Ocidente, em geral, tem sido cúmplice em todo o sofrimento contínuo do nosso povo na região”, disse. O diplomata acusou os Estados Unidos de assumirem o mesmo papel, “apesar do consenso internacional a favor de um fim justo, legal e duradouro para a Palestina”. “A esperança não morre, continuaremos trabalhando com a mesma estratégia e com o apelo de que o mundo está em constante mudança. A porta da lei e da justiça está se abrindo”, garantiu Alzeben.
Dos 193 países-membros da Organização das Nações Unidas, 142 reconhecem o Estado palestino, que foi proclamado por líderes no exílio há 36 anos. Durante a primeira intifada (levante contra a ocupação), o histórico líder palestino, Yasser Arafat, proclamou, de forma unilateral, um Estado palestino independente com Jerusalém como capital. Em 2010, o Brasil tornou-se o primeiro país da América do Sul a admitir a existência de um Estado palestino, seguido por Argentina, a Bolívia, o Equador, o Chile, o Peru e o Uruguai. Em 2014, a Suécia marcou seu pioneirismo, entre as nações da União Europeia.
Jorgen Jensehaugen, especialista em conflito árabe-israelense pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO, pela sigla em inglês), afirmou ao Correio que o gesto dos três países é muito importante, sob o ponto de vista simbólico. “Essa atitude sinaliza a possibilidade de alcançar uma solução baseada em dois Estados. Trata-se de uma combinação importante de países, no sentido de que, quando a Suécia reconheceu a Palestina, ela estava completamente isolada e foi punida por Israel”, comentou. “O fato de Noruega, Espanha e Irlanda se unirem nesse esforço torna uma punição mais difícil e cria um momento propício para que outras nações se juntem a elas. Esperamos que algumas nações europeias sigam o exemplo.”
De acordo com o estudioso norueguês, a convocação dos embaixadores se insere no fato de que Netanyahu se opõe a uma solução para o conflito assentada na existência de um Estado israelense e de um Estado palestino. “O governo judeu considera problemática qualquer ação que vá na direção do reconhecimento da Palestina”, observou Jensehaugen. “Será interessante ver qual será a retaliação dos israelenses.”
QUATRO PERGUNTAS PARA
IBRAHIM ALZEBEN, EMBAIXADOR DA PALESTINA NO BRASIL
Como o senhor vê o peso simbólico da decisão de Espanha, Noruega e Irlanda?
Nós apreciamos muito a decisão histórica e corajosa, que expressa respeito pelo direito internacional e pelo consenso da comunidade majoritária no mundo.
Em que essa medida pode ajudar os palestinos na busca por um Estado palestino?
A nossa luta depende da resiliência no terreno e da expansão da presença no mundo. De uma ação combinada. A decisão histórica de Espanha, Irlanda e Noruega está em sintonia com a orientação política natural da comunidade de 143 países, que exigiu o reconhecimento da Palestina como um Estado pleno na ONU. O mundo caminha na direção histórica correta, no rumo da paz e da segurança.
De que modo o senhor avalia a decisão de Israel de convocar os embaixadores?
Convocar embaixadores de países soberanos não muda a realidade. A votação na ONU, a posição do Tribunal Penal Internacional (TPI) e as manifestações em todo o mundo devem dar frutos no seio da sociedade israelense. E mostrar que a ocupação dos territórios dos seus vizinhos, negando aos verdadeiros proprietários o direito de exercerem os seus direitos legítimos, não tem um efeito futuro. Genocídio e apartheid somente trarão mais violência e dor para todos.
O que falta para a efetiva criação de um Estado palestino?
Que os EUA reconheçam o Estado da Palestina. Também falta convocar uma conferência internacional de paz para fundar o Estado da Palestina, de acordo com o direito internacional. O imediato, que não admite adiamento, é um cessar-fogo em Gaza, levantando o cerco e permitindo a entrada de ajuda humanitária. Encerrar a agressão dos colonos e iniciar a retirada de Israel dos territórios ocupados. (RC)
Fonte: Correio Braziliense/ Rodrigo Craveiro