Jéssica Gotlib
A IDEA International (organização intergovernamental para a democracia e assistência eleitoral com atuação em todo o mundo) publicou nesta segunda-feira (3/5) uma nota em que repudia a crise institucional instaurada em El Salvador.
É que o parlamento do país centro-americano destituiu, no último sábado (1º/5), todos os magistrados e suplentes da Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça – equivalente ao STF no Brasil – e o procurador-geral.
Em nota divulgada à imprensa, a IDEA defende que tanto a Assembleia Legislativa, eleita há dois meses, quanto o presidente de centro-direita Nayib Bukele anulem as medidas e “iniciem um processo de diálogo para buscar uma solução democrática, pacífica e legal a essa crise”.
O texto argumenta que “atos constituem uma violação dos artigos 85 e 172, parágrafo 3, da Constituição Política de El Salvador, bem como dos princípios da Carta Democrática Interamericana sobre a divisão de poderes e o respeito ao Estado de Direito”.
Leia a nota completa:
A República de El Salvador está passando por uma grave crise institucional. A IDEA Internacional lamenta os acontecimentos de sábado, 1º de maio, quando a Assembleia Legislativa, com o apoio expresso do Presidente Nayib Bukele, demitiu os cinco juízes da Câmara Constitucional e o Procurador-Geral da República.
Estes atos constituem uma violação dos artigos 85 e 172, parágrafo 3 da Constituição Política de El Salvador, bem como dos princípios da Carta Democrática Interamericana sobre a divisão de poderes e o respeito ao Estado de Direito.
A IDEA Internacional insta as autoridades da Assembleia Legislativa e do Presidente Bukele a revogar estas medidas e a iniciar um processo de diálogo para buscar uma solução democrática, pacífica e legal para esta crise.
Salientamos também a urgência de ativar as medidas previstas no artigo 20 da Carta Democrática Interamericana, a fim de analisar a grave alteração constitucional que afeta El Salvador e encontrar uma solução de acordo com os valores democráticos refletidos na Carta.
Crise sanitária, reverberação política – O que acontece naquele país da América Central é um cenário parecido ao de outras nações da América Latina. Enquanto a Covid-19 avança com pouco ou nenhum controle pela região, batalhas políticas vêm sendo travadas e extrapoladas para a esfera jurídica. No caso de El Salvador, o parlamento recém-eleito é composto por maioria governista e defendeu que o Supremo Tribunal local limitou as ações do presidente para combater a covid-19.
Há cerca de um ano, Bukele foi acusado de usar as medidas de combate à pandemia para ‘radicalizar’ tendências autoritárias — inclusive ordenando que as Forças Armadas invadissem a sede do Congresso do país. Na mesma época, a ONG Human Rights Watch publicou um relatório que apontava a detenção de 4.236 nos chamados centros de contenção. As acusações eram de violação da quarentena e suspeitas de terem contraído a covid-19 em viagens ao exterior.
Em agosto, depois de acusações que diversas medidas tomadas pelo governo seriam ditatoriais, o tribunal anulou diversos decretos do Executivo. Na época, o presidente salvadorenho disse que um ditador “de verdade” teria fuzilado os magistrados para “salvar mil vidas em troca de cinco”.
Foram essas circunstâncias que embasaram a argumentação dos parlamentares. Logo depois da votação, o mandatário de El Salvador elogiou a decisão. Ele disse que “o povo” acolheu a medida e pediu que a comunidade internacional não interferisse no andamento da questão.
Brasil – O fato também repercutiu no Brasil. Pelo Twitter, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) comemorou a decisão “tudo constitucional”, argumentou. E completou: “Juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem”.