Metade dos cargos do parlamento foi cortada. Impostos recaíram sobre os bancos. Medidas tomadas pelo governo húngaro para valorizar a classe média são comemoradas
Súsan Faria
Fotos: Eliane Loin
Hoje, 15 de março, os húngaros comemoram o inicio da Revolução de 1848. Iniciativas importantes do governo para sair da crise financeira que se abateu por toda a Europa trouxeram bons resultados para a população, principalmente a classe média, satisfeita por não ter sido tão penalizada no momento difícil do país. Aproveitamos a data festiva para conversar com o embaixador Norbert Konkoly sobre a situação atual da Hungria. Em entrevista exclusiva à revista Embassy Brasília, o diplomata fala da importante visita do presidente da Hungria ao Brasil, dias 19 e 20 de março e das medidas do executivo tomadas em 2010 e 2011.
Há três anos e meio em Brasília, o embaixador Konkoly , 50 anos, casado, três filhos, já trabalhou antes em Portugal, Reino Unido e Canadá. Estudou Comércio Exterior e fez pós-graduação em Economia em Budapeste. Cursou mestrado em Relações Internacionais em Moscou e especializou-se em Desarmamento, em Nova Iorque, Genebra e Viena. Fala Português, Inglês, Russo, Francês e Húngaro. Apaixonado pelo Brasil, Norbert Konkoly pratica aulas de samba, futebol e surf em suas horas livres. O diplomata já fez ainda aulas de forró.
No momento, o embaixador está acompanhando uma comitiva húngara que estará até dia 16, no festival de gastronomia Bocuse d’Or, em São Paulo. Simpático, Konkoly recebeu a equipe da Embassy Brasília na embaixada, no Dia Internacional das Mulheres – 8 de março. Veja a íntegra da conversa.
Logo após a crise de 2008 na Europa, a Hungria e a Grécia tiveramsuas economias abaladas e rombos fiscais impagáveis. A Grécia adotou medidas de austeridade fiscal,reduziu gastos públicos e tomou empréstimos do FMI. Que medidas a Hungria adotou? Em que resultaram?
A Hungria – antes da Grécia – sofreu um colapso econômico. Mas, em 2010, tivemos um novo governo, tendo à frente o primeiro ministro e jurista Viktor Orbán, que aplicou um inovador e criativo programa, cuja linha continua hoje. Entendeu que chega de a classe média pagar pelas más gestões de crise, com elevação de impostos. Aquele governo disse que era necessário apoiar e não penalizar a classe média. Quem é a classe média? As pessoas que têm emprego, as que criam as famílias, pagam impostos e não querem abandonar o país. Ao invés de elevar, cortou pela metade os impostos sobre os rendimentos dessa classe, que pagava 38% de Imposto de Renda. Em 2010/2011, esse imposto foi para 15%. É uma taxa única. As empresas pagavam 19% e passaram a pagar 10%.
Esse incentivo ligou os motores da economia. Foi o modelo. Mas onde estariam os recursos? O governo introduziu novas taxas, novos impostos sobre os maiores jogadores na economia. O setor bancário, o das telecomunicações, o de eletricidade, as grandes cadeias de lojas pagaram mais contribuições. E assim, o orçamento se equilibrou. Houve resistências porque os bancos são muito fortes e podem apresentar mais resistência, são bem conectados, mas o nosso governo na Hungria é muito forte politicamente, tem apoio de dois terços da maioria do parlamento que dão força para enfrentar essa resistência. Esse governo convenceu esses setores que eles têm de contribuir mais. O governo também cortou o número de deputados pela metade. Tínhamos 389 deputados e agora são 199. Um sistema que funciona de forma mais simples, efetiva e com menos custo. Essas medidas – tomadas em 2010 e 2011 – foram muito criativas.Recebemos críticas, disseram que o sistema financeiro iria sair do país. Ninguém saiu. Depois, outros países europeus adotaram medidas semelhantes. Muitas vezes na história, fomos pioneiros.
O presidente da Hungria, János Áder, faz parte do high level panel de presidentes que vão tratar com mais profundidade os temas de gestão de recursos hídricos no Fórum Mundial da Água, em Brasília. Quais seus principais compromissos?
Ele será um dos protagonistas no Fórum que é focado em meio ambiente e no tratamento de água. Ele vai apresentar um relatório, dias 19 e 20 de março, durante o evento. Vamos exibir um filme, no Fórum. O nosso presidente vai se encontrar com o presidente Michel Temer e com os demais presidentes que estarão no evento. Temos um bom relacionamento com o presidente Temer. Em 2013, quando ele era vice-presidente do Brasil foi à Hungria.
A Bocuse d’Or – criado pelo chef Paul Bocuse – é um dos maiores concursos de gastronomia do mundo e está na 31ª edição. As próximas fases dessa competição serão realizadas, esta semana, em São Paulo (SP); e dias 12 e 13 de abril, na Cidade do México. O final do concurso será em Lyon, na França, com chefes dos cinco continentes. A Hungria participa com a Mangalica – prato de carne suína húngara. Onde a Hungria vai montar uma feira com estande apresentando essa carne e seus vinhos?
Somos protagonistas nesse festival de gastronomia. A nossa carne suína foi escolhida como matéria prima para que todos os finalistas façam um prato com ela. Vamos entregar 300 kg dessa carne a eles. Nosso estande com 50 metros quadrados com produtos típicos estará na feira, na Avenida dos Imigrantes em São Paulo (SP), dias 14, 15 e 16 de março. Será fantástica. Teremos um chef e um enólogo húngaros no estande.Uma delegação do nosso Ministério das Relações Exteriores estará na Bocuse d’Or em São Paulo (SP).Será um grande evento.
A Hungria é famosa pelos seus vinhos de altíssima qualidade e pela sua gastronomia única. A culinária húngara vem sendo divulgada pelo mundo?
Nossos vinhos são famosos por causa da boa uva coletada mais tarde, em setembro, com mais sol e mais açúcar. O tokaji aszú, muito conhecido, para sobremesas, feito há muitos séculos, o rei dos vinhos. Temos bons tintos, brancos e o rosé. Em São Paulo, uma loja vende os nossos vinhos. Possuimos muitas regiões vinícolas, mas são pequenas. Na gas6tronomia, digo que a comida húngara é bem forte. Somos um povo com muitos lavradores da terra, que precisam de alimentação forte. Temos o Goulash, feito com carne de vaca, cebola, alho, páprica… Somos famosos nas sobremesas. Em Brasília, há uma pastelaria húngara,a Duna, na 214 Norte. É um sucesso…além dos doces e tortas, essa pastelaria serve almoço e o Goulash. Duna (Danúbio em húngaro) é nome do rio que atravessa Budapeste.
A Hungria tem compositores famosos, como Franz Liszt, nome do principal aeroporto do país, em Budapeste. Há a Academia de Música Franz Liszt, respeitada no mundo todo e compositores como Béla Bartok e Zoltán Kodály. Qual o seu preferido?
Somos um país de 10 milhões de habitantes e temos outros 4,5 milhões de húngaros fora da Hungria. Ou seja, temos um país pequeno, mas com superpoder na música clássica, muitos nomes renomados, como Franz Liszt. Minha esposa e meus três filhos, de 25, 20 e 19 anos de idade, vivem em Budapeste, mas gostam muito de Brasília. Levei-os ao Lago Paranoá e fizeram stand up.Levei-os para dançar forró no Ispilicute e observei que as pessoas dançam muito bem. No meu também país temos as danças populares que são muito lindas.
Diversos atores húngaros ajudaram a formar Hollywood. O primeiro ator a fazer o papel de Drácula era húngaro (Sr. BélaLugosi). Vocês veem nossas novelas ou têm novelas próprias?
As telenovelas “Escrava Isaura” e “Mulheres de Areia”fizeram muito sucesso na Hungria, mas temos nossas séries também.
A Hungria celebra várias datas importantes, o dia 15 de março é aniversário da revolução húngara. Quais as outras?
São datas de destaque na nossa história. A fundação do estado húngaro foi em 20 de agosto no ano 1000, no coração da Europa, pelo nosso primeiro rei Santo Estevão. Esse dia, comemoramos em São Paulo (SP), onde está a maior comunidade húngara; e no Rio de Janeiro, porque o bispo daquela capital gosta muito da história da Hungria e dos heróis húngaros e tem mandado acender as luzes do Cristo Redentor, das 20h às 21h, com as cores do nosso país: vermelho, branco e verde. Em Brasília, celebramos o 23 de outubro de 1956, a nossa revolução contra a ocupação e dominação soviética. No ano passado, tivemos apresentação da Orquestra Sinfônica no Cine Brasília.
Como estão as relações entre Brasil e Hungria?
É um relacionamento crescente. Temos a Casa de Comércio Húngara. Os nossos novos chefes querem ver números nas exportações, investimentos, tecnologia. Essa Casa nos ajuda com isso, ajuda empresas húngaras a entrar no mercado brasileiro e os brasileiros a fazerem negócios com a Hungria. Há grandes empresas no Brasil como a BB Frigorífico, em São Paulo (SP) que fornece carne para 5 mil restaurantes e cujo proprietário é húngaro. Ele é nosso parceiro para introduzir a carne húngara no mercado brasileiro. Temos empresas de soft e arquitetura, exportamos para o Brasil carros como o Audi, que são alemães, mas produzidos na Hungria. Interessante, exportamos para o Brasil inclusive peças para máquinas de café. Temos nove cônsules honorários, em Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, que não são necessariamente húngaros, como o advogado Nelson Willians, no Rio, que ajuda nos negócios entre húngaros e brasileiros. Há o consulado em São Paulo. Temos o Chico Buarque que escreveu o livro Budapeste, uma aventura de um brasileiro na Hungria, que tem paíxão, amor… e começa a estudar húngaro.
Há cursos de húngaro no Brasil? Quantos alunos e formados?
É o terceiro ano que a USP oferece curso de extensão de língua e cultura húngara. A procura é grande. Adoram. A Universidade Estadual do Ceará oferece esse curso, desde o ano passado.É uma língua difícil de aprender. Cerca de 500 alunos passaram por esses cursos e outros 2.300 brasileiros estudaram na Hungria.Promovemos encontros com ex-estudantes em Budapeste, como recentemente em Belo Horizonte (MG).A Hungria abriu uma linha de 250 vagas por ano para brasileiros irem a Hungria estudar cinco anos com bolsa integral.
No Brasil vivem milhares de descendentes de húngaros, principalmente em São Paulo. Quem são esses húngaros? O que fazem?
A comunidade húngara e de descendentes no Brasil é de 100 mil pessoas, a maioria em São Paulo. Foram várias ondas de húngaros vindos para o Brasil, depoisda primeira e na segunda guerra. A Hungria é muito popular entre os estudantes brasileiros. O programa Ciência sem Fronteiras foi super popular e levou 2.300 estudantes brasileiros para estudar na Hungria durante um ano, na maioria na Universidade Técnica, em Budapeste. Organizamos encontros para esses estudantes em várias cidades do Brasil e eles sempre falam muito bem da Hungria.
Em outubro de 2010, a Hungria passou por seu maior desastre ecológico. Um dique de uma indústria de alumínio arrebentou-se e provocou um milhão de metros de cúbicos de lama vermelha e água alcalina, que inundou parte das cidades húngaras de Devecser, Kolontár e Somlóvásárhely. Dez pessoas morreram, 286 pessoas foram hospitalizadas e 358 residências e mais de mil hectares de terra agricultável foram contaminadas. O Senhor poderia falar desse desastre? Dezoito anos se passaram e como está a região? Que analogia o senhor faz desse desastre ecológico com o de Mariana, em Minas Gerais, no Brasil?
Foi mesmo um desastre, bem parecido com o de Mariana (MG), que inundou aldeias, florestas, terras, águas naturais. Foi preciso resgatar a terra, as plantas, reconstruir aldeias. Fomos bem sucedidos na reconstrução. Temos experiência para compartilhar. A Hungria tem experiência no tratamento de água, com tecnologia avançada, inclusive no tratamento de esgoto. Em Budapeste temos uma estação de tratamento tão avançada, que a água suja da cidade passa pelas raízes das plantas, debaixo da terra e por cima estão as árvores, flores, sem cheiro, tudo tão lindo como no Jardim Botânico de Brasília. Em Budapeste, as noivas e jovens casais vão tirar fotografias ali. É uma empresa, a Orgânica, que possui a tecnologia. Apresentamos esse trabalho em Curitiba (PR).
A capital húngara é vibrante durante todo o ano. Fala-nos sobre o turismo na Hungria.
É um país muito lindo. Vale a pena visitá-lo. A Hungria é muito romântica, tem aquele ar de história, o rio Danúbio no meio de Budapeste; o lago Balaton, o maior lago na Europa Central, a 100 km da capital; as regiões vinícolas. Cerca de 40 mil brasileiros viajam todos os anos para a Hungria. São três horas de voo, partindo de Lisboa. A melhor época para ir à Hungria é abril, maio, junho e setembro. O frio é em dezembro e janeiro. Dizem que para se apaixonar é só passar uma semana na Hungria.