Milhares de soldados israelenses entram no enclave palestino, apoiados por bombardeios intensos e pelos disparos de navios. Hamas afirma travar violentos combates no norte e no centro do território.
Rodrigo Craveiro – Correio Braziliense
A Faixa de Gaza estava praticamente isolada do mundo. Os ataques aéreos da Força Aérea de Israel (IAF, pela sigla em inglês) cortaram o acesso à internet e à telefonia celular no enclave, reduzindo a comunicação a quase zero. Às 23h desta sexta-feira (17h em Brasília), as Brigadas Ezzedin al Qassam, braço militar do Hamas, anunciaram: “Estamos enfrentando uma incursão terrestre israelense dentro da cidade de Beit Hanoun e a leste do campo de refugiados de Bureij; violentos confrontos ocorrem no terreno”.
Enquanto milhares de soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF) entravam no território palestino, os aviões intensificavam os bombardeios e navios também disparavam do Mar Mediterrâneo. As autoridades israelenses não confirmaram se as operações faziam parte da massiva invasão a Gaza. No entanto, às 20h40 (hora de Brasília), as IDF publicaram, nas redes sociais: “36 anos de Hamas aterrorizando Israel são mais do que suficientes”. Um dos alvos da operação de ontem foi a complexa rede de túneis sob a Cidade de Gaza.
A Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução que pede uma “trégua humanitária imediata”, medida considerada uma “infâmia” pelo governo de Benjamin Netanyahu. Com caráter não vinculativo, o texto tem força apenas de recomendação, ao contrário das resoluções do Conselho de Segurança, que, caso não sejam cumpridas, podem surtir sanções para os países. “Rejeitamos abertamente o apelo desprezível da Assembleia Geral da ONU para um cessar-fogo”, escreveu na rede social X (o antigo Twitter) o chanceler israelense, Eli Cohen. “Israel pretende eliminar o Hamas tal como o mundo lidou com os nazis e o Estado Islâmico”, comentou.
Por sua vez, os Estados Unidos defenderam uma pausa humanitária na guerra para permitir a entrada de ajuda aos 2,3 milhões de palestinos. A Casa Branca também instou os cidadãos norte-americanos a deixarem o Líbano. Existe o risco de que, com a intensificação dos ataques terrestres em Gaza, a milícia xiita Hezbollah, apoiada pelo Irã e pelo Hamas, decida ampliar o lançamento de foguetes em direção a Israel e entrar de vez no conflito.
Ameaça
Por meio do aplicativo Telegram, um dirigente do Hamas, Ezzat al Risheq, assegurou que o grupo extremista estava “pronto” para resistir a uma invasão. “Se Netanyahu decidir entrar em Gaza esta noite, a resistência está preparada. A terra de Gaza engolirá os restos mortais dos soldados israelenses”, advertiu. O Hamas também acusou Israel de cortar as comunicações e a maior parte da internet, “para cometer massacres com bombardeios de represália por ar, terra e mar”.
Jonathan Conricus — porta-voz internacional das Forças de Defesa de Israel (IDF) — explicou ao Correio que, nos últimos dias, as forças terrestres realizaram um número de operações direcionadas dentro da Faixa de Gaza, com o objetivo de preparar terreno para futuras etapas das operações. “Nas últimas horas, as IDF expandiram os ataques à Faixa de Gaza. A Força Aérea de Israel destruiu alvos subterrâneos e infraestrutura terrorista. Após essas atividades, feitas ao longo dos últimos dias, as forças terrestres estão ampliando suas atividades terrestres nesta noite”, comentou. Ele não quis confirmar se a invasão massiva em Gaza tinha começado, de fato.
“Israel acaba de lançar uma guerra terrestre em Gaza. O resultado será uma catástrofe humanitária de proporções épicas nos anos a seguir”, advertiu o ministro de Assuntos Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, em publicação na rede social X, o antigo Twitter. Pouco antes de as IDF intensificarem as incursões em Gaza, Catherine Russell, diretora executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância, anunciou ter perdido contato com seus colegas. “Estou extremamente preocupada com a segurança e com outra noite de horror indescritível para 1 milhão de crianças em Gaza”, escreveu.
Exilado em Beirute, Ali Barakeh, chefe do Departamento de Relações Nacionais do Hamas, disse ao Correio que “as forças de ocupação fracassaram durante uma invasão em três eixos”. “Há pesadas baixas entre as fileiras inimigas, em termos de soldados e de equipamentos. O inimigo caiu nas emboscadas preparadas pela resistência palestina”, garantiu, às 21h45 (hora de Brasília). Ele explicou que, antes dos ataques de 7 de outubro, o Hamas tinha preparado planos defensivos para o caso de incursões por terra. De acordo com ele, os combatentes do grupo usaram mísseis e projéteis antiblindados para repelir o ataque. “A ocupação israelense usou helicópteros para retirar os feridos e os mortos do campo de batalha”, acrescentou.
Ex-diretor executivo da Human Rights Watch (HRW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Princeton, Kenneth Roth criticou o método utilizado pelas IDF durante os bombardeios. Ele lembrou que o direito humanitário internacional exige que as partes em conflito alertem previamente sobre um ataque, quando possível, para possibilitar a fuga de civis. “Israel emitiu avisos de forma desumana, ao ordenar que 1,1 milhão de pessoas fugissem para o norte de Gaza, enquanto mantinha os bombardeios ao sul e continuava a bloquear a ajuda humanitária.”
Mais cedo, as IDF acusaram o Hamas de instalar centros de comando em hospitais da Faixa de Gaza, colocando civis na linha de fogo. “O Hamas trava a guerra a partir dos hospitais”, disse Daniel Hagari, outro porta-voz do Exército israelense. “Os terroristas circulam livremente no hospital Al Shifa, na Cidade de Gaza”, acrescentou.
As agências internacionais de notícias divulgaram que, enquanto Israel expandia as operações terrestres em Gaza, no campo diplomático prosseguiam as negociações para a libertação de 229 reféns mantidos pelo Hamas. “Eu não tenho ideia sobre os detalhes das negociações. Mas, é impossível, dos pontos de vista técnico e de segurança, libertar os capturados sem deter os bombardeios”, afirmou ao Correio Basem Naim, chefe do Departamento Político do Hamas em Gaza. Segundo a rede de TV CNN, os Estados Unidos conversaram com o gabinete de Netanyahu para viabilizar uma interrupção nos bombardeios, a fim de que os civis capturados pelo Hamas sejam soltos.
DUAS PERGUNTAS PARA
IBRAHIM ALZEBEN, EMBAIXADOR PALESTINO NO BRASIL
Como o senhor vê a intensificação de combates terrestres em Gaza?
Os líderes israelenses acreditam que, por meio da opressão e da força excessiva, acabarão com a causa palestina. Nem a entrada destrutiva em Gaza nem a opressão e a matança do nosso povo encerrarão o problema. A questão está viva e não há solução senão punir os criminosos que desprezaram o sangue do povo palestino. Israel entrará à força depois de transformar Gaza em escombros, mas descobrirá que a Palestina não morrerá nem será destruída. O destino dos invasores é a lata de lixo da história.
Há risco de a violência se espalhar para a Cisjordânia e iniciar a terceira intifada?
Existem riscos reais de a violência se espalhar para a Cisjordânia e Jerusalém, uma vez que são terras palestinas sujeitas à repressão e a ataques diários. Nós alertamos, por diversas vezes, que a violência gera violência, a destruição gera destruição e a paz dá esperança ou estabilidade. Netanyahu e o seu governo criminoso não compreenderam e não quiseram compreender. O nosso povo não irá embora e não abrirá mão dos seus direitos, custe o que custar. Essa é a luta pela liberdade. Nosso povo quer liberdade. (RC)
Palavra de Especialista
“Um crime não justifica outro”
O direito humanitário internacional exige que se permita que uma população civil necessitada tenha acesso à assistência humanitária. Mas, Israel permite apenas pequenos envios de ajuda, muito menos do que o necessário, e ainda não retomou o fornecimento de água ou de eletricidade, nem permitiu o envio de combustível para alimentar geradores dos hospitais.
Ao bombardear bairros inteiros e destruir grandes prédios residenciais, Israel parece violar a lei contra ataques indiscriminados e aqueles que causam danos desproporcionais aos civis. Israel sustenta que o Hamas, algumas vezes, usa civis como escudos humanos ou os coloca em perigo ao lançar foguetes de bairros residenciais. Isso não isenta o governo israelense do dever de não disparar, se os danos aos civis forem desproporcionais.”
Ex-diretor executivo da Human Rights Watch (HRW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Princeton