Ana Cristina Dib
Há cerca de um mês, desde que a China decidiu sobretaxar em 25% 106 famílias de produtos americanos, em retaliação à decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de adotar tarifas sobre cerca de 1.300 produtos importados da China, vive-se uma guerra comercial que modifica o funcionamento do mercado agrícola.
A decisão foi considerada simbólica, até então, porque Pequim ainda não havia anunciado medidas contra produtos vitais da economia americana, como a soja ou os automóveis. Atualmente, os EUA exportam um terço de sua produção aos chineses (US$ 14 bilhões no ano passado), ficando atrás apenas do Brasil, maior exportador da commodity para os asiáticos.
Somente a ameaça sobre as tarifas – ainda sem data para entrar em vigor – já levou a um corte nas importações de soja dos EUA, o que elevou os preços de outros fornecedores, como o Brasil, e alavancou também os preços do farelo de soja, geralmente utilizado como ingrediente de ração para animais.
Apesar de a primeira reação do mercado ser benéfica aos produtores brasileiros, substitutos naturais do produto americano, o conflito comercial influencia no aumento do dólar. Em abril, a moeda americana subiu 6%, a maior alta mensal desde novembro de 2016.
“A guerra comercial entre a China e os EUA não tem impacto direto nas relações entre o Brasil ea China. Só que, no entanto, tem vários aspectos indiretos. O principal deles é que faz com que o dólar ganhe peso. O dólar fica mais valorizado e isto impede que as empresas brasileiras importem com a mesma facilidade de quando o dólar está em baixa”, afirma Lincoln Fracari, proprietário da China Link Trading, companhia que viabiliza importações empresarias principalmente entre Brasil e China.
Vivendo no país asiático desde 2009, o empresário brasileiro vê uma certa ‘resistência por parte do povo chinês’, que ‘costuma ser bastante orgulhoso e não recua em negociações’.
Autoridades dos dois países estiveram reunidas para negociações comerciais. Na última semana, a mídia estatal chinesa adotou um tom otimista para fazer o balanço do encontro de dois dias, realizado em Pequim. Apesar das “grandes diferenças”, foi estabelecido um mecanismo para manter o diálogo aberto, como parte de um esforço para resolver disputas comerciais, publicou em nota o jornal estatal em inglês China Daily.
Passado pouco mais de um mês do embate que envolve a soja, corre o boato de que a China, maior comprador e consumidor global do grão, esteja adotando esforços adicionais para elevar a sua produção. Um possível documento de “emergência” pede por um plantio de 5 milhões de mu (333.333 hectares) adicionais com a commodity neste ano.
“Quem sofre mais [com a guerra comercial], de início, são os chineses, caso tenha o aumento na soja americana. Inicialmente, porque não tem como você transferir toda a demanda que um país está exportando para você para outro. Só que com a tendência de migração de fornecedores, os mais prejudicados passariam a ser, no final, os produtores de soja dos EUA”, acrescenta Fracari.
A soja é muito presente no cotidiano chinês. Lá, consome-se leite de soja. O shoyu e o tofu, alimentos muito presentes na dieta, são feitos à base do grão, como conta o empresário. Até por isso, ele acredita que já exista a busca da China por outra fonte de abastecimento.
Empresários brasileiros tendem a recuar
Com experiência de pouco mais de dez anos no mercado de importação empresarial, principalmente no que envolve Brasil e China, Lincoln Fracari crê em um recuo natural por parte das empresas brasileiras que compram do país asiático, em reação ao momento da economia mundial.
“Você espera a mercadoria ficar pronta, cerca de 30 dias. Depois o tempo no contêiner, no mar, mais 30, ou seja, 60 dias. Aí, quando a mercadoria chega, você paga os impostos baseado no dólar do dia em questão. Então, às vezes, se o dólar está aumentando, as pessoas preferem não comprar, seguram o investimento, porque imaginam que o dólar vai subir daqui 60 dias”, finaliza.