As forças de segurança foram mobilizadas novamente nesta terça-feira em Yangon, em Mianmar, após o cerco durante a noite de centenas de manifestantes pró-democracia no centro da cidade, onde os agentes intensificaram as operações em residências e as detenções. Os militares bloquearam ruas importantes da capital econômica do país. Na segunda-feira à noite, centenas de manifestantes, incluindo muitas birmanesas que celebravam o Dia Internacional da Mulher, foram encurralados durante horas no bairro de Sanchaung, cenário de grandes protestos nos últimos dias.
As forças de segurança entraram em várias casas para procurar detratores do regime. Quem esconder manifestantes será punido, advertiu a imprensa estatal. “A polícia inspecionou todas as casas desta rua. Entraram no nosso apartamento, mas não escondemos ninguém e foram embora”, contou um morador.
“Falaram para não olharmos para eles ou atirariam”, disse outro, antes de explicar que as casas que tinham em suas janelas e varandas bandeiras da Liga Nacional pela Democracia (LND), partido de Aung San Suu Kyi, foram alvos da operação, que terminou com dezenas de pessoas detidas.
Para apoiar os manifestantes cercados, centenas de habitantes desafiaram o toque de recolher imposto pelas autoridades e saíram às ruas. “Libertem os estudantes”, gritaram. As forças de segurança usaram bombas de efeito moral para tentar dispersar os opositores. Os manifestantes conseguiram sair do bairro nas primeiras horas do dia. “A paciência do governo acabou”, afirmou a imprensa estatal, após cinco semanas de manifestações pró-democracia diárias.
Três mortos – As críticas internacionais persistem, sem sucesso. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu “máxima moderação” e a “libertação dos manifestantes sem violência nem detenções”. A representação da União Europeia em Mianmar e as embaixadas dos Estados Unidos e do Reino Unido, ex-potência colonial, divulgaram mensagens similares.
A junta continua com a repressão para tentar sufocar a insurreição pacífica contra o golpe de Estado que derrubou Aung San Suu Kyi no dia 1º de fevereiro. Na segunda-feira, a jornada de protestos terminou com três manifestantes mortos e vários feridos.Em Myitkyina (norte), imagens divulgadas nas redes sociais mostraram manifestantes inconscientes e cobertos de sangue, um deles deitado de bruços no chão, com parte do crânio esmagado. Uma freira católica se ajoelhou na rua e suplicou à polícia para não atirar.
Em Mandalay (centro), dois veículos militares dispersaram manifestantes. Seis pessoas ficaram feridas, duas em estado grave. O exército “afunda cada dia mais o país em um clima de medo”, lamenta a Associação de Assistência aos Presos Políticos (AAPP), que contabiliza ao menos 60 civis mortos desde o golpe de Estado e mais de 1.800 detidos.
Nos últimos dias, o governo militar intensificou as operações contra ONGs, meios de comunicação e políticos. Na segunda-feira uma operação policial teve como alvo a agência de notícias Myanmar Now. “Trabalhamos com medo (…) a junta não vai tolerar reportagens sobre seus crimes”, afirmou o diretor de redação Swe Win.
O ministério da Informação revogou a licença de publicação da agência e de outros meios de comunicação independentes (Mizzima, DVB, Khit Thit e 7 Day). Muitos dirigentes da Liga Nacional para a Democracia também foram detidos e um líder local do partido morreu na repressão.
Controle dos hospitais – Os militares confirmaram que assumiram o controle dos hospitais públicos e campi universitários, de acordo com eles “a pedido de cidadãos que não querem ver instabilidade em seu país”. Médicos, professores, advogados e funcionários públicos se declararam em greve desde o golpe de Estado. A convocação de desobediência civil tem um forte impacto em setores como a administração pública, os bancos e o os hospitais.
A junta militar advertiu que os funcionários que não retornassem ao trabalho seriam demitidos. Os generais ignoram os protestos da comunidade internacional, dividida sobre o tema. Reino Unido, Estados Unidos e outros países ocidentais adotaram sanções seletivas, mas China e Rússia, aliados do exército birmanês, não condenaram o golpe de Estado.
O Conselho de Segurança da ONU não alcançou um acordo sobre uma declaração conjunta e prosseguirá com as negociações esta semana. Nesta terça-feira, o embaixador de Mianmar no Reino Unido se desvinculou dos generais golpistas, assim como já haviam anunciado o embaixador do país na ONU e outros diplomatas, e pediu a libertação de Aung San Suu Kyi.