Com mais de 100 mil mortos, milhões de desempregados e, agora, uma explosão de protestos sociais, o governo americano sabe que uma retomada será dolorosa e que os próximos meses serão de profundo mal-estar interno.
Um dos cenários é de que, enquanto os EUA mergulham numa crise sem precedentes, a China — apesar do impacto que teve com a covid-19 — consiga se posicionar de forma mais estável no cenário internacional. Nesta semana, o presidente americano, Donald Trump, fez dois anúncios que compõem uma reação: a organização de um G7 com novos países convidados e sua ruptura com a OMS (Organização Mundial da Saúde), por supostamente estar aliada aos chineses.
Ambos têm a mesma finalidade: reorganizar o mundo pós-pandemia e tentar minar a influência internacional da China. O objetivo maior da Casa Branca é o de evitar que, depois do colapso das economias ocidentais em 2020, o eixo do poder se transfira para a Ásia. O processo para atingir esse objetivo, segundo diplomatas, ocorre de forma meticulosamente planejada. O problema, dizem essas fontes, é que tal estratégia tem sido acompanhada por manipulações, desinformação e aumento da tensão internacional.
Brasil convidado ao G7 – Para fontes diplomáticas ouvidas pela coluna, Trump está tentando criar uma frente para conter a China e, para isso, precisa estabelecer novos organismos ou fóruns internacionais. É nesse sentido que vem a proposta da Casa Branca por uma reunião do G7 com Índia, Brasil, Austrália, Coreia do Sul e Rússia. Trump, ao fazer o anúncio, deixou claro que o G7 estava “obsoleto” e que precisaria ser recriado. Nesta semana, os americanos realizaram já uma reunião entre os chanceleres de alguns desses novos integrantes, oficialmente com o objetivo de tratar da resposta à pandemia.
No fundo, porém, sua manobra foi interpretada de outra maneira: o esvaziamento não é do G7, mas do G20, fórum onde os americanos precisam dividir o espaço com a China. Um irrelevante G20 passou, de repente, a assumir um papel de protagonista quando, em 2008, a crise financeira internacional deixou os países ricos vulneráveis e foram justamente os emergentes — e a China — quem lideraram a recuperação. A insatisfação de Trump com o G20 aumentou à medida em que sua guerra comercial contra a China ganhava novo impacto e a Casa Branca era criticada durante as reuniões do grupo.
Não é por acaso, sinalizam negociadores, que desde o início da pandemia o G20 tem sido inoperante e vazio. Diversas reuniões terminaram sem uma declaração final, vetadas pelos EUA num passo deliberado para minar sua influência. Questionado pela coluna, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown apontou que era uma “vergonha” o fato de o G-20 apenas estar agendado para manter uma reunião em novembro. Ao lado de Fernando Henrique Cardoso e outros 200 líderes, ele liderou uma carta ao grupo implorando para que o G-20 volte a se reunir e traça uma estratégia para lidar com a atual crise. Para ele, porém, um G7 ampliado não faz sentido, já que abarcaria países que representam apenas 2 dos 7 bilhões de pessoas no planeta. Na Europa, o gesto de Trump também é visto com desconfiança. Nesta semana, a chanceler Angela Merkel recusou um convite do americano para uma cúpula do G7 nas próximas semanas. Ela citou que tal encontro exigiria uma “preparação adequada”. Nos círculos diplomáticos, o gesto foi interpretado como um sinal de desentendimento entre Berlim e Washington sobre o que deve ser o futuro da governança internacional.