Rodrigo Craveiro
Durante reunião em Washington, na última quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid, e o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, enviaram um recado contundente ao Irã: em caso de fracasso da diplomacia, os dois países podem recorrer ao uso da força. “Estamos unidos na determinação de que o Irã não deve ser autorizado a ter uma arma nuclear. Acreditamos que a via diplomática é a forma mais eficaz de garantir que isso não aconteça. Estamos preparados para buscar novas opções se o Irã não mudar de rumo”, advertiu Blinken.
Lapid reforçou que, em alguns momentos, os países “devem usar a força para proteger o mundo do mal”. “Se um regime terrorista comprar uma arma nuclear, devemos agir. Devemos deixar claro que o mundo não o permitirá”, disse. Na sexta-feira, depois de tensos debates entre o negociador da União Europeia (UE), Enrique Mora, e o vice-chanceler iraniano, Ali Bagheri, as autoridades de Teerã — anfitrião do encontro — afirmaram que o Irã não está pronto para prosseguir com o diálogo.
Daniel Zohar Zonshine, embaixador de Israel no Brasil, defendeu o aumento da retórica contra o regime iraniano. “Nós aprendemos, por meio da história, que o Irã não obedece a nenhuma restrição imposta a eles”, afirmou ao Correio. “Por isso, a única forma de mudar o comportamento do Irã é com intensa pressão da comunidade internacional”, acrescentou o diplomata, que recebeu as credenciais do presidente Jair Bolsonaro há nove dias.
Por sua vez, o embaixador do Irã em Brasília, Hossein Gharibi, assegurou que a campanha intitulada “Pressão Máxima”, adotada por Washington contra Teerã, foi um “enorme fracasso”. “Os EUA provaram não ter respeito nem pelo direito internacional, nem pela diplomacia. Alguns atribuíram isso apenas ao ex-presidente Donald Trump. No entanto, nove meses depois da posse de Joe Biden, as mesmas sanções que violam a resolução 2231 do Conselho de Segurança foram aplicadas. Isso impactou diretamente a vida de cidadãos iranianos”, disse à reportagem.
Gharibi acrescentou que Teerã trabalha com uma lógica incontestável. “De forma unilateral e em violação à resolução do Conselho de Segurança, os EUA impõem sanções ilegais ao meu país desde 2017”, comentou. De acordo com o diplomata iraniano, o JCPOA foi firmado há seis anos para priorizar uma resolução diplomática para “alguns mal-entendidos em relação à nossa indústria nuclear pacífica”. “O acordo foi adotado pelo Conselho de Segurança, mas, meses depois, Trump se retirou unilateralmente. Apesar de sua clara obrigação de suspender todas as sanções ilegais, ele impôs centenas de novas sanções.”
Ruptura – Em entrevista ao Correio, o iraquiano Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, afirmou ser prematuro contemplar um ataque militar contra o Irã. “Os iranianos estão a meses de atingir o ponto de ruptura do programa nuclear. Mesmo assim, levará pelo menos um ano, ou mais, para serem capazes de instalar uma ogiva atômica dentro de mísseis de longo alcance. Dito isso, o governo de Joe Biden ainda está focado em resolver o conflito por meio de negociações”, explicou.
Para Ben-Meir, não existe nenhuma ameaça do regime iraniano a nações do Golfo Pérsico neste momento. “Mesmo que o Irã desenvolva armas nucleares, não as utilizará, sob nenhuma circunstância, contra nenhum de seus inimigos, especialmente Israel”, assegura. “Teerã busca esse arsenal não com o propósito de atacar qualquer país, mas para garantir capacidades dissuasivas contra Israel e para estar à altura do Paquistão, Estado sunita vizinho que possui esse tipo de armamento.”
Perguntas para Hossein Gharibi, embaixador do Irã no Brasil
Yair Lapid, chanceler de Israel, e Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, não descartaram o uso da força contra o seu país. Como o senhor vê isso?
Qualquer uso da linguagem de violência e de guerra pelos EUA está fadado ao fracasso. Não existe direito ao uso da força fora do escopo da Carta das Nações Unidas.
De que maneira o Irã responderá a um eventual ataque por parte do Israel e dos Estados Unidos?
A ameaça ao uso da força não é nova para nós. A mesma nação que orgulhosamente resistiu à fracassada política da Pressão Máxima sabe como se defender. A forma mais fácil e racional para eles é suspender essas sanções e observar seus compromissos. Então, veremos que não há necessidade de usar a linguagem da violência e do derramamento de sangue.
Como o senhor vê o discurso de Lapid sobre a reserva do direito ao uso da força?
Infelizmente, nós sabemos que o Irã está usando o discurso das negociações como uma maneira de evitar a pressão da comunidade internacional. Eles não têm intenção de chegar a um acordo e continuam a avançar em projetos militares nucleares.
O eventual uso da força contra o Irã não corre o risco de arrastar todo o Oriente Médio para a instabilidade?
Não estamos encorajando a violência. A chave está nas mãos do Irã em cumprir as medidas da comunidade internacional e parar os avanços militares nucleares. Além disso, deve parar com a escalada de violência ao apoiar grupos terroristas e atos terroristas em todo o Oriente Médio e até além dessa região.
“Acreditamos que a via diplomática é a forma mais eficaz de garantir que isso não aconteça. Estamos preparados para buscar novas opções se o Irã não mudar de rumo”. Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano
“Se um regime terrorista comprar uma arma nuclear, devemos agir. Devemos deixar claro que o mundo não o permitirá”
Yair Lapid, ministro das Relações Exteriores de Israel
Simulação de guerra no deserto – O Exército do Irã e o Corpo da Guarda Revolucionária Iraniana (IRGC) realizaram, entre os dias 12 e 13 passados, um exercício militar conjunto com foco na defesa aérea. Os testes bélicos abrangeram metade do espaço aéreo do país. De acordo com a rede de TV Al-Jazeera, a simulação foi lançada em uma área desértica no centro do Irã. Comandantes militares reproduziram uma situação de guerra, na qual aeronaves tripuladas e drones lançaram mísseis contra alvos terrestres para testarem o desempenho dos sistemas de defesa aérea e de radar.
Palavra de especialista
Risco de catástrofe, por Alon Ben-Meir
“As consequências de um ataque israelo-americano ao Irã seria, de muitas maneiras, catastrófico. O Irã provavelmente não permaneceria passivo. Teerã pode, ainda que às custas de imenso risco, atacar Israel e realizar várias ações abertas e secretas na região, especificamente contra alguns dos países do Golfo Pérsico, particularmente a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, que seriam favoráveis a tal ofensiva. Pessoalmente, não acredito que nenhuma das nações envolvidas queira ver esse desdobramento.”
Especialista em Oriente Médio e professor de relações internacionais pela Universidade de Nova York
Dois pesos… Em mais um sinal de aumento das tensões entre iranianos e israelenses, o embaixador do Irã na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Kazem Gharibabadi, acusou o organismo de usar dois pesos e duas medidas para os dois países. “O silêncio e a negligência em relação ao programa nuclear de Israel envia uma mensagem negativa dos membros do Tratado de Não Proliferação (TNP)”, advertiu. Uma ofensiva militar contra o Irã teria repercussões imprevisíveis para todo o Oriente Médio. Por exemplo, o movimento xiita Hezbollah, no Líbano, é forte aliado de Teerã e poderia contra-atacar Israel. Na Síria, a presença de milícias xiitas também poderia representar risco para Israel.