Antonio Tajani também fala sobre a Venezuela e comenta atuação do Brasil na região
Em viagem oficial à Argentina e ao Brasil nesta semana, o vice-primeiro-ministro da Itália, Antonio Tajani, que também é titular do Ministério das Relações Exteriores, terá em sua pauta a crise na Venezuela, onde vivem cerca de 160 mil cidadãos italianos. Após passar por Buenos Aires nesta segunda-feira (07/10), ele chegou nesta terça (08/10) a São Paulo, onde manteve encontros com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e com o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), além de eventos com empresários.
A visita ocorre em meio às comemorações dos 150 anos da imigração italiana para o Brasil e se insere no contexto do G7 e do G20, cujas presidências rotativas são ocupadas, respectivamente, por Itália e Brasil. Lula participou, como convidado, da cúpula das nações mais ricas no país europeu, e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, é esperada no Rio, em novembro.
Em entrevista à reportagem, por escrito, Tajani defende mudança na lei de cidadania, de 1992, para estender o direito a filhos de estrangeiros que façam sua vida escolar no país. “Devemos garantir que as regras se adaptem a um novo contexto, profundamente diferente daquele de 30 anos atrás”. Líder nacional do Força Itália, partido de centro-direita fundado por Silvio Berlusconi (1936-2023), ele é considerado o pilar mais moderado da coalizão de Meloni.
PERGUNTA – A Itália sediou o G7 em junho, e o Brasil receberá o G20 em novembro. Como o senhor avalia a atual relação entre os dois países?
ANTONIO TAJANI – Neste ano, comemoramos os 150 anos da imigração italiana no Brasil. São quase 850 mil italianos vivendo no Brasil. Existe uma amizade histórica entre Roma e Brasília, baseada em sólidos laços culturais, econômicos e sociais. É um ano crucial para as relações bilaterais.
O Brasil participou como convidado da cúpula do G7, na Itália, em junho, e os dois países encontraram uma convergência importante em questões como a luta contra as mudanças climáticas, a fome e a pobreza, que serão aprofundadas na reunião do G20, no Rio.
P – O senhor disse que um dos motivos de sua visita a Brasil e Argentina seria discutir a situação da Venezuela. Qual é sua visão, e o que precisa ser feito?
AT – Reiteramos diversas vezes que o resultado eleitoral proclamado pelas autoridades de Caracas não tem nenhuma legitimidade. Faltam dados e atas eleitorais completos e verificáveis de forma independente. Estamos profundamente preocupados com a contínua onda de repressão por parte do regime venezuelano, que envolve vários italianos.
Além de apelar à libertação imediata de todos os presos políticos, a prioridade do governo italiano é garantir que seja respeitada a vontade do povo venezuelano por meio do voto democrático e do início de um diálogo entre as partes. Estamos empenhados em manter uma forte pressão sobre o regime de Maduro em nível internacional para manter a questão sob atenção mundial, por meio de fóruns como o G7, além de oferecer apoio à corajosa oposição democrática venezuelana.
P – Que papel é esperado do governo brasileiro?
AT – Em um contexto em que o regime venezuelano parece cada vez mais radicalizado e pronto a usar a violência contra os próprios cidadãos, é essencial manter abertos os limitados canais de diálogo. Os esforços de mediação devem ter em conta as evidências recolhidas até agora pela comunidade internacional relativas às violações dos direitos humanos.
O Brasil, muitas vezes em colaboração com a Colômbia, está realizando uma delicada tentativa de mediação, graças à sua credibilidade regional, à solidez de seus valores democráticos e à relação direta existente entre representantes dos dois países no mais alto nível.
P – A falta de sintonia entre Lula e Javier Milei enfraquece os esforços de mediação?
AT – Como país amigo e observador atento da dinâmica regional, a Itália aprecia os esforços e a contribuição de Buenos Aires e Brasília na crise na Venezuela. Não passou despercebida a decisão do governo Lula de proteger os interesses argentinos na Venezuela após os acontecimentos envolvendo a Embaixada da Argentina em Caracas. Foi um sinal de que as diferenças políticas, embora existentes, podem ser superadas quando estão em jogo as relações bilaterais e a segurança regional.
P – O senhor se manifestou nas últimas semanas a favor de mudanças na lei da cidadania na Itália…
AT – Sem prejuízo da validade do princípio do “iure sanguinis” [direito de sangue] previsto na nossa legislação, é necessário que o conceito de cidadania se baseie no pertencimento a uma comunidade, com todos os direitos e deveres. Isso implica valores comuns, dos quais os linguísticos e culturais são fundamentais.
Para isso, bastariam simples alterações normativas – já previstas nos ordenamentos jurídicos dos principais parceiros europeus -, como a introdução de um exame de língua e cultura ou não superar um período de tempo excessivo para a apresentação do pedido de cidadania.
Devemos ter em conta que, para muitos descendentes, não houve nenhuma relação com a Itália durante muitos anos [Tajani defende limitar o número de gerações de quem faz o pedido de cidadania].
Tanto essas possíveis alterações relativas ao iure sanguinis quanto à introdução do ius scholae [direito de escola, dando cidadania por tempo de estudo no país] respondem à mesma necessidade: dar o devido valor ao conceito fundador de cidadania, garantindo que haja, antes de tudo, compartilhamento dos valores culturais.
P – A Itália está pronta para esta proposta?
AT – A Itália não apenas está pronta para essa mudança – o nosso país já mudou e devemos garantir que as regras se adaptem a um novo contexto, profundamente diferente daquele de 30 anos atrás. Pessoalmente, prefiro chamar de ius Italiae [direito de Itália]: você se torna italiano porque se formou como um italiano, conhece a sua história, a cultura, a língua e as tradições.
P – Como o senhor vê a posição de Lula sobre a guerra na Ucrânia?
AT – Com a presidência do G20, o Brasil desempenha um papel decisivo no cenário internacional neste ano. É membro central do Brics e é capaz de contribuir de forma decisiva para a solução do conflito entre Ucrânia e Rússia. O plano de seis pontos formulado com a China contém princípios que compartilhamos, mas é essencial que qualquer solução negociada se baseie no direito internacional e nos princípios de soberania, integridade territorial e independência dos Estados, consagrados na Carta da ONU.
A Itália espera que a iniciativa sino-brasileira possa confluir no processo mais amplo iniciado em junho com a conferência de paz na Suíça. Continuamos a dialogar de forma construtiva com o Brasil, junto com os parceiros do G7 e da União Europeia, para que possa ser desenvolvida uma plataforma de negociação compartilhada, tendo em vista uma nova cúpula de paz que conte também com o envolvimento da Rússia.
Vice-premiê da Itália e ministro das Relações Exteriores do governo Giorgia Meloni. Líder nacional do partido Força Itália, de centro-direita, como sucessor do fundador Silvio Berlusconi. Vice-presidente do Partido Popular Europeu (PPE), mesmo grupo de Ursula von der Leyen. Foi presidente do Parlamento Europeu de 2017 a 2019.
Fonte: (Michele Oliveira/Folhapress)