São Paulo – A empresária chegou ao país como barista e se firmou como uma profissional referência ali e em países vizinhos, como a Arábia Saudita. Hoje, Becker é proprietária da Três Marias Coffee, marca que criou para oferecer cursos e educação a profissionais do café e curiosos. Ela também é parceira da exportadora Ally Coffee na região do Oriente Médio e Norte da África (MENA), com a qual trabalha para abrir mercado para café verde, principalmente o brasileiro e o colombiano.
A empreendedora defende uma visão mais ampla do produto, indo além da onda ‘hypada’ que vive. “O meu slogan é ‘Speciality Coffee Made Simple’. É especial? É, porque é de qualidade. Mas países como o Brasil mostram que o café especial é feito como qualquer outra commodity. É ‘business’. É feito por pessoas de negócios, que querem crescer e diversificar a indústria”, declarou ela em entrevista à ANBA.
Becker lembra que o setor dos grãos especiais em Dubai vem ganhando relevância na última década. E para o nome do Brasil se destacar, ainda há um caminho a se percorrer. “Quando pensam em café, pensam só no copo. E café é muito mais. Quando falam de Brasil aqui, quase ninguém fala de café. E somos o maior produtor do mundo. Devíamos falar mais disso, mas acho que está mudando porque o Brasil era conhecido por baixa qualidade [do produto]. O que estamos vivendo no café de especialidade é só o começo”, analisou a brasileira.
Nascida em Araranguá, uma pequena cidade de Santa Catarina, Becker morou em Lisboa e Londres, mas foi no Brasil que iniciou sua carreira no café. Em Florianópolis, ela trabalhou no Café Cultura, cafeteria pioneira em especiais no Brasil. “Foi minha primeira grande experiência com café especial. Nessa área é um estudo contínuo, então estudei para ser Q-Grader. E me tornei treinadora autorizada pela Associação de Cafés Especiais (SCA, da sigla em inglês)”, contou. Q-Grader é uma certificação mundial dada a profissionais de classificação e degustação de cafés.
No emirado, a brasileira foi barista em um hotel cinco estrelas, de onde saiu para trabalhar em uma das primeiras torrefações locais. Ali Becker atuou por um ano, mas o alto custo de vida em Dubai a impulsionou para uma nova empreitada. “Tive a ideia de comprar um tuk-tuk. Entrei em contato com uma empresa que o produzia, na Inglaterra. A dona me disse que queria trazer a marca para Dubai e me convidou para ser sócia. Ela investiu o dinheiro e eu o trabalho. Construímos essa marca. Depois de dois anos, resolvi tomar outro rumo. Senti que aquilo serviu ao propósito que tinha e que era hora de seguir em frente”, contou ela. O tuk-tuk é um triciclo motorizado, que pode servir para transporte e venda de mercadorias.
A partir daí, a brasileira tomaria gosto também por empreender. Depois disso, ela ainda foi sócia de outra marca de café antes de alçar voo solo. Em março de 2019, ela fundou a Três Marias Coffee. No mesmo período, estabeleceu contato com a Ally Coffee, exportadora parte do grupo Monte Santo Tavares, no Brasil. “Conversamos sobre expandir o mercado para o Oriente Médio. Nos reunimos em Dubai e fechamos a parceria, onde focaríamos bastante em abrir o mercado para a Ally com grão verde. E com a Três Marias, foco em educação, e trabalhamos, ainda, com private label”, detalhou a empresária.
Um dos mercados em que tem trabalhado mais é o saudita, onde Becker dá treinamentos e vende grão verde e torrado. Já em Dubai, a brasileira gosta de criar cursos e convidar profissionais vindos de fora como forma de se manter atualizada. “Mesmo nós, que somos pioneiros, temos muito o que aprender”, afirmou.
Café em casa – e instantâneo – na pandemia
Com a pandemia, a brasileira se viu com uma empresa com cinco funcionários e sem demanda por cursos, seu principal serviço até então. A situação forçou a empresa a se posicionar como marca de café. “Entramos como café torrado dando foco nessa demanda de café para casa. Abrimos um e-commerce bem simples, feito por mim e uma colega, não investimos nada em dinheiro. E, olha, foi uma das melhores coisas que aconteceram para nós como negócio! Hoje já fazemos parte do mercado como uma marca nova”, destacou.
O online cumpriu o papel de agregar valor à marca e, para Becker, também à região. “Percebi que tinha um espaço no mercado para ser desenvolvido por uma empresa que pergunta à pessoa em casa ‘Como você toma café? Como eu posso fazer a sua experiência em café especial a melhor possível?’”, explicou.
A resposta veio em produtos de preparo rápido como cápsulas compatíveis com máquinas Nespresso e o café especial instantâneo. Este último, um produto pioneiro no Oriente Médio por utilizar grãos especiais no processo. “Para mim, o futuro do café de especialidade é se adaptar a consumidores que não estão disponíveis a comprar uma máquina de R$ 2 mil, que não querem entender como funciona extrair um café perfeitamente. O futuro é [entender] como a gente pode eliminar esses fatores que são muito importantes para [o consumidor] ter uma xícara de café boa”, afirma a profissional.
Os novos produtos têm sido o caminho para a praticidade que a brasileira quer trazer para ao consumo. “Bom café tem que ser para todo mundo. Temos que ser empáticos e criar uma conexão. A indústria é muito nova. Até o país [Emirados] é muito novo, e eu acredito em inovar. Não tenho problema em correr o risco. O café instantâneo é o meu produto com custo mais alto, e o mais caro, mas estou batendo minhas metas de venda”, revelou Becker, que segue reinvestindo no marketing digital da marca. A meta hoje é que a renda da empresa venha de 60% a 70% da marca de cafés.
Entre os planos futuros, está a participação no Pavilhão do Brasil durante a Expo 2020. O evento, adiado para o ano que vem, terá a Três Marias à frente do espresso bar brasileiro. “Não tenho palavras para descrever o orgulho. É com coisas como essa que eu sei que valeram a pena as horas e horas trabalhando”, descreve a empreendedora da marca que tem ambição de crescer mundialmente. “O nome não foi por acaso. Mesmo entre muitas marcas, vocês sempre vão olhar lá e saber onde estão as Três Marias”, conclui, lembrando a inspiração no trio de estrelas, que deu nome à marca construída no Oriente Médio por uma brasileira.
(*) Com informações da ANBA