São Paulo – Se depender dos planos do embaixador Alessandro Candeas, as relações do Brasil com a Palestina vão crescer e avançar para novas frentes nos próximos meses. O diplomata assumiu a chefia do Escritório de Representação do Brasil em Ramallah em dezembro do ano passado, desde quando vem cumprindo uma agenda intensa de tratativas para acelerar o intercâmbio entre palestinos e brasileiros.
Candeas tem um planejamento de relação bilateral que vai além da ajuda humanitária. Está no radar do diplomata o posicionamento de um país frente ao outro também como mercados. Para a segunda quinzena de maio está prevista a realização de evento virtual para que palestinos e brasileiros explorem as possibilidades de comércio e façam matchmaking, o que está sendo organizado com a ajuda da Câmara de Comércio Árabe Brasileira.
“As trocas comerciais são muito modestas”, disse Candeas à ANBA. Dados da Câmara Árabe apontam que no ano passado a corrente comercial entre Palestina e Brasil foi de US$ 27,5 milhões, dos quais US$ 26,7 milhões em exportações brasileiras e apenas US$ 780 mil em vendas da Palestina. Os brasileiros enviaram aos palestinos principalmente carnes e os embarques palestinos ao Brasil foram principalmente de frutas.
O diplomata conta que a Palestina produz frutas e percebe potencial para que elas sejam exportadas já processadas ao mercado brasileiro. “As empresas brasileiras podem processar as frutas aqui e exportar para o Brasil”, diz. Candeas acredita que a Palestina também pode exportar confecções, como os tradicionais vestidos palestinos e suas peças, ao mercado brasileiro. “São muito bem feitos, uma tecnologia milenar, muito coloridos”, afirma.
O comércio com a Palestina tem uma dimensão além da econômica, segundo avaliação do embaixador. “Gera emprego, gera renda, gera desenvolvimento”, afirma, lembrando que isso é fundamental para o fortalecimento local. Candeas vê também que o que é feito na Palestina repercute e irradia no Oriente Médio, Norte da África e Golfo em função da posição política e humana palestina, o alto nível de educação, a capacitação, as conexões empresariais e familiares.
A economia da Palestina é movida pela produção de pequena escala de subsistência, que envolve frutas, carnes, laticínios, azeites e outros itens, além de assistência financeira de países e de organismos internacionais, e transferências internacionais da diáspora, segundo informações de Candeas. Também há renda oriunda do turismo.
A Palestina e o Brasil já têm intercâmbio na área turística, com brasileiros visitando a Terra Santa. O embaixador percebe que isso gera um potencial em serviços muito grande para empresas brasileiras e palestinas do segmento, e também para pequenos produtores de alimentos e artesãos locais. Candeas conta que os custos para turismo de brasileiros na Palestina são baixos e os serviços de qualidade.
Mas o novo representante do Brasil junto à Palestina se articula para movimentar outras áreas além do comércio e o turismo. Ele já está em tratativas para levar para a Palestina o programa brasileiro Leitorado, pelo qual um professor poderá ensinar português e cultura brasileira em universidades palestinas. Está conversando também sobre uma cooperação triangular na qual o Brasil transferirá para a Palestina a sua expertise em educação verde, sobretudo na área de energia, com financiamento de agência de cooperação da Alemanha.
Alessandro Candeas quer que o Brasil ainda repasse a sua experiência em educação para campos de refugiados de palestinos nos quais a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês) provém os serviços públicos. “É um campo (área) no qual o Brasil tem muito a oferecer”, afirma o diplomata. Outra possibilidade é a cooperação em Direitos Humanos, na qual a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, já começou a ser envolvida e pretende atuar pessoalmente.
Português e futebol – Outra frente de atuação é para resgatar a “brasilidade” de brasileiros de segunda geração que vivem na Palestina. O Brasil abriga muitos palestinos e alguns retornaram à terra de origem da família, sobretudo mulheres que se casaram com palestinos e tiveram filhos, surgindo assim uma geração de brasileiros que não fala português na Palestina. Será levado a eles o programa Português como Língua de Herança, de ensino do idioma, em um trabalho de cooperação com a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Candeas fala que já há iniciativas pelo ensino do português na embaixada em Ramallah e isso será aproveitado.
O diplomata tomou para si também uma missão no futebol. O plano é aproveitar o ano de Copa do Mundo em um país árabe em 2022, no Catar, e ajudar a Palestina a competir nas Olimpíadas de 2024. “A Palestina adora o futebol brasileiro, o meu sonho é que o Brasil possa ajudar a profissionalizar o futebol”, afirma ele. O esporte é praticado entre os palestinos por mulheres e homens e há campeonatos, mas a ideia é atrair uma parceria brasileira do setor privado para que ele avance e se profissionalize a ponto de poder estar nas Olimpíadas.
Esse universo de possibilidade de cooperação entre Brasil e Palestina foi discutido pelo embaixador nos últimos dias com autoridades palestinas. Apesar de ter chegado a Ramallah em dezembro, em função da necessidade de isolamento social por conta da covid-19, a entrega das cópias das credenciais do embaixador ao ministro dos Negócios Estrangeiros e dos Expatriados, Riad Malki, foi feita no final de março.
Depois disso, o diplomata esteve com vários outros ministros, nas quais eles demonstraram grande interesse pela cooperação e programas de transferência de expertise. Candeas lembra que o Brasil é um país de comprovada experiência em cooperação. “Há um interesse muito grande no Brasil, o Brasil é um país muito querido, muito desejado, as pessoas têm prazer em trabalhar com o Brasil”, afirma o embaixador.
Visita – Candeas foi recebido pelo primeiro-ministro Muhammad Shtayyeh, pelo ministro da Educação Superior, Mahmoud Abu Mois, e pela ministra de Turismo e Antiguidades, Rula Ma’ayah, esteve com lideranças da Agência Palestina de Cooperação Internacional e visitou a Basílica da Natividade, em Belém, acompanhado pelo presidente do Comitê Presidencial de Restauração da basílica, ministro Ziad Bandak, entre outras atividades de uma agenda que ainda terá continuidade.
Alessandro Candeas – Antes de assumir o posto em Ramallah, Alessandro Candeas, que é pernambucano e formado em Direito, era diretor do Departamento de Defesa do Itamaraty. Na posição, ele teve contato com países árabes, assim como quando atuou na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris, e quando foi assessor internacional do Ministério da Educação.