SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com longa carreira no serviço diplomático de Belarus, Vladzimir Astapenka, 58, tem medo de deixar Buenos Aires, onde vive há dois anos, e retornar a seu país de origem, convulsionado por protestos contra o ditador Aleksandr Lukachenko.
Na última terça-feira (27), Astapenka renunciou ao posto de embaixador de Belarus na Argentina, com responsabilidade também sobre Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, em protesto contra o governo Lukachenko.
“Minha carreira pode ser brutalmente arruinada a qualquer momento. Agora estou recebendo sinais que não me recomendam regressar a Belarus”, disse em mensagem de texto à Folha, agregando o emoji de um rosto chorando.
Sua vasta trajetória inclui um período como vice-chanceler de Belarus, na década de 1990. Mas as suspeitas sobre a reeleição de Lukachenko em agosto, e a repressão a manifestações convocadas pela oposição o fizerem concluir que não era mais possível continuar servindo a este governo.
Em uma carta enviada ao ministério, ele afirma que não reconhece o novo governo de Lukachenko, empossado em setembro.
“A falta de legitimidade internacional do chefe de Estado não me permite, como diplomata e patriota de meu país, continuar a cumprir de maneira consciente os serviços de embaixador, estando subordinado a uma pessoa que não tem o direito de expressar a vontade do povo de Belarus”, escreveu.
Lukachenko, no poder desde 1994, foi reeleito para um novo mandato de cinco anos em agosto, num pleito em que houve diversas acusações de fraude. Chamou a atenção principalmente a larga margem de vitória sobre sua adversária, Svetlana Tikhanovskaia, com mais de 80% dos votos.
Desde então, o ditador enfrenta manifestações de rua e greves que são reprimidas pelas forças de segurança. A maioria das lideranças de oposição foi obrigada a se exilar, temendo por sua integridade.
Astapenka afirma que mantem contato com amigos e parentes em seu país de origem, e que o clima que relatam é de tensão permanente. “Temos numerosas detenções arbitrárias, ninguém está seguro”, diz.
O diplomata mandou uma primeira carta de renúncia a seus superiores em 23 de setembro, dia da posse de Lukachenko, mas não recebeu nenhuma resposta. Ele manteve a decisão em caráter reservado.
Com o silêncio, resolveu mandar outra carta, em termos mais contundentes, que foi divulgada primeiro em seu país. Chegou a usar como argumento a legislação trabalhista, citando a quebra de confiança entre empregado e empregador (o próprio Lukachenko).
Também não recebeu posicionamento ainda sobre este pedido de renúncia, mas já se considera ex-embaixador, embora seu nome ainda conste como responsável pelo posto no site oficial da missão diplomática.Astapenka afirma que se preocupa com a segurança de parentes que estão em Belarus. “Tenho filhos adultos e minha mãe em Minsk [a capital]. Até agora não houve problemas”.
A saída dele não é a primeira no serviço diplomático de Belarus. Também renunciaram a seus postos, ou foram demitidos por simpatizarem com a oposição, os embaixadores na Espanha, Letônia e Eslováquia.A decisão do representante na Argentina de deixar o cargo coloca em situação desconfortável os outros embaixadores de Belarus na América do Sul, especialmente o do Brasil, Aleksandr Tserkovski.
Tserkovski, no entanto, segue firme no apoio ao ditador, e não tem dado sinais de que pretende romper com ele. Astapenka diz não ter conversado diretamente com seu colega de Brasília, mas afirmou que enviou cópia de sua carta de renúncia a diversos embaixadores do país. Ele diz não ter ideia de qual será a atitude do representante no Brasil. “Não sei, seria bom perguntar a ele”, afirmou.
O embaixador no Brasil foi procurado pela Folha, mas não se manifestou. O cônsul de Belarus em São Paulo, Grigori Goldchleger, afirmou que não tinha informações sobre a renúncia do representante do país na Argentina. A comunidade de Belarus espalhada pelo mundo tem feito intensa pressão para isolar internacionalmente o governo de Lukachenko.
Na última segunda-feira (26), membros da diáspora em 840 cidades, de 62 países, divulgaram uma carta pedindo a saída do ministro das Relações Exteriores, Vladimir Makey, do cargo.“Este apelo foi criado em resposta à violência, repressão, tortura e terror contra os cidadãos pacíficos de Belarus, o isolamento, a criação de uma nova Cortina de Ferro e a privação dos seus direitos humanos”, afirma a carta, assinada também por representantes da comunidade no Brasil, que soma cerca de 120 pessoas.