Guerras comerciais contra grandes potências não são fáceis de vencer
Por Martin Wolf, comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.
“Quando um país (os Estados Unidos) está perdendo bilhões de dólares no comércio com virtualmente todos os demais países com que negocia, guerras comerciais são boas, e fáceis de vencer”. Esse tuíte postado em 2 de março definiu os objetivos e os meios da política comercial de Donald Trump. A aparente vitória sobre o Canadá e o México e a assinatura de um acordo comercial o convencerão de que está certo. Mas a China não é o México.
O presidente americano acredita que se um país vende a um parceiro comercial mais bens do que compra dele, está vencendo. Também acredita que se o país compra mais bens de um parceiro comercial do que vende bens a ele, pode vencer uma guerra protecionista, porque o outro lado tem mais a perder. Essas duas convicções –mercantilismo bilateral e um balanço assimétrico do sofrimento– o orientam. A política dele é usar a maneira pela qual os Estados Unidos perdem para garantir a vitória. Porque os Estados Unidos são também o país mais poderoso em qualquer relacionamento bilateral, vencerão inevitavelmente.
Economistas sérios, desde Adam Smith, insistiriam em que buscar um superávit com todo parceiro comercial não significa vencer. É absurdo. E nem mesmo é mercantilismo inteligente, que se concentraria no balanço comercial geral. Além disso, especialmente em uma era de fluxo livre de capital, o balanço geral é um objetivo tolo, e de qualquer forma não seria possível atingi-lo por meio de política comercial. É incrível que ideias primitivas como essas dominem o mais sofisticado país do planeta.
Deixemos de lado a sensatez da coisa. Será que guerras comerciais são fáceis de vencer para uma superpotência que enfrente países com grandes superávits no comércio bilateral? A resposta é sim e não. As exportações do México aos Estados Unidos responderam por 28% do PIB (Produto Interno Bruto) do país em 2017, e as do Canadá por 19%. As exportações americanas ao México responderam por apenas 1,3% do PIB dos Estados Unidos naquele ano, e as exportações ao Canadá por 1,5%. Quando países são tão assimetricamente dependentes quanto o Canadá e o México, alguma forma de vitória é provável. Em uma negociação bilateral, os Estados Unidos provavelmente obteriam muito do que desejam (embora não pareçam ter conseguido tudo que buscavam).
A China é uma história diferente. Suas exportações aos Estados Unidos respondem por proporção muito maior do seu PIB do que vice-versa, 4,1% ante 0,7%. O superávit bilateral da China responde por cerca de 3,1% de seu PIB, bem abaixo dos 10,2% de 2006. Imagine que os Estados Unidos imponham tarifas proibitivas sobre todas as exportações chinesas. Pode-se calcular que isso resultaria em uma queda de 4,1% no PB chinês. Mas o cálculo estaria errado. As exportações americanas à China também cairiam, com as retaliações chinesas. Além disso, um terço do valor adicionado aos bens de exportação chineses consiste de componentes importados. Os exportadores chineses também poderiam vender seus produtos em outros mercados.
No final, a queda do PIB da China em uma guerra comercial seria de menos de 2%, caso nada mais varie. Isso equivaleria a cerca de quatro meses de crescimento. Além disso, não seria difícil para a China compensar perda de demanda dessa ordem. Enquanto isso, o balanço comercial geral dos Estados Unidos não mudaria uma vírgula, porque é determinado pelo balanço interno entre oferta e procura.
Embora Pequim prefira um acordo, não aceitará pagar preço alto. Todos os chineses aprendem na escola sobre o século de humilhação. Xi Jinping, o presidente chinês, tem posição interna forte. Mas talvez nem mesmo ele fosse capaz de sobreviver caso decidisse rastejar diante de um valentão.
Trump cometeu dois erros característicos. Primeiro, deu um passo maior do que as pernas. A China não pode produzir comércio bilateral balanceado porque não pode forçar os chineses a comprar produtos que não desejam. O ponto quanto ao comércio entre os Estados Unidos e a China não é que as importações americanas sejam altas demais: em proporção ao PIB, elas são equivalentes às da União Europeia. A diferença está no nível baixo de suas exportações. Isso demonstra falta de competitividade. Por fim, a China não abandonará suas esperanças de promover o avanço da tecnologia do país. Nenhuma superpotência o faria.
Segundo, ele exagerou o poder dos Estados Unidos. Em outras áreas da política comercial, acordos seriam possíveis. Seria possível imaginar mudanças na política chinesa quanto a propriedade intelectual, e quanto à exclusão de companhias americanas do mercado do país. Seria possível imaginar um acordo sob o qual a China abandone sua classificação como país em desenvolvimento, em troca de ser tratada como economia de mercado. Mas para obter esses resultados, ou resultados ainda melhores, Trump precisa de aliados, especialmente a União Europeia e o Japão, a quem ele despreza, talvez por não serem tiranias. Mas não está claro que ele deseje esses acordos: se houvesse melhor proteção à propriedade intelectual, ainda mais empresas americanas investiriam na China. E isso parece ser o oposto do que o presidente deseja.
Trump pode nos surpreender ao trombetear o maior acordo comercial da história, no qual ele ganhará muito pouco. Mas suponha que o conflito se intensifique, em lugar disso, e resulte em tarifas bilaterais elevadas. Quem ganha? A resposta geral é: ninguém. O comércio sofrerá perturbações, o sistema comercial regido por regras sairá devastado, o relacionamento entre os Estados Unidos e a China será danificado, e o mundo se tornará mais perigoso.
Mas que lado perderia mais, ainda assim? É difícil modelar esse resultado, porque ninguém sabe o que acontecerá. Uma possibilidade, analisada pelo BCE (Banco Central Europeu), é a de que o conflito se torne mundial. Mesmo o governo Trump talvez venha a perceber que os desvios no comércio trabalham contra ele: as importações vindas da China serão suspensas, mas os mesmos produtos serão obtidos, por exemplo, do Vietnã. Por isso, os americanos decidiriam aplicar uma tarifa geral de 10% sobre todas as importações. O mundo retaliaria aplicando 10% de tarifa sobre os bens americanos. Nesse caso, argumenta o BCE, os Estados Unidos perdem em curto prazo, e a China até ganha. Em uma guerra comercial, a economia maior perde menos, porque o comércio que ela perde importa menos para ela. A economia do resto do mundo é três vezes maior que a americana.
Os Estados Unidos poderiam obter um acordo sobre propriedade intelectual e liberalização de mercado com a China. Mas não podem conseguir um acordo sobre o rebalanceamento do comércio bilateral, e não deterão o desenvolvimento econômico da China. Um acordo como o descrito poderia ser obtido por meio de cooperação estreita com os aliados dos Estados Unidos. Se os americanos persistirem em sua abordagem puramente bilateral, não vencerão. Mas causarão danos a si mesmos, ao comércio internacional, à economia mundial e às relações entre os países. Guerras comerciais não são boas. Contra grandes potências, elas tampouco são fáceis de vencer.