Havana, 16 Mar 2021 (AFP) – A nova equipe “tem a tarefa de construir sua legitimidade, que só pode vir de seu próprio projeto político, que traga prosperidade econômica com justiça social para Cuba”, disse à AFP Michael Shifter, presidente do “think tank” Inter-American Dialogue, com sede em Washington. A expectativa é que esses homens e mulheres, liderados pelo atual presidente Miguel Díaz-Canel, de 60 anos, cheguem durante o próximo congresso do PCC – entre os dias 16 e 19 de abril – à direção máxima do partido, centro do poder na ilha.
Cuba continuará socialista, mas, para especialistas, a legalidade constitucional limitará a preeminência da ideologia e poderá permitir uma abertura política. Reforma política Em abril de 2019, foi aprovada uma nova Constituição que defende o caráter “irreversível” do socialismo no país. É “a filha do seu tempo e reflete a diversidade da sociedade”, disse à época Raúl Castro, que após passar a presidência para Díaz-Canel em 2018, agora deixará a liderança do PCC. Ao contrário de sua antecessora, aprovada por unanimidade em 1976, a nova Constituição obteve a aprovação de 78,3% do voto popular e 22% de rejeição, ou abstenção, nível elevado no contexto cubano.
Nos últimos meses, artistas, intelectuais e outros setores da sociedade civil passaram a reivindicar direitos e liberdades no país. Diante dessas reivindicações, a nova equipe deverá promover uma reforma política do Estado “para administrar com eficácia as tensões que se manifestam na sociedade”, aponta Shifter, considerando que, pelo menos em tese, a Constituição permite a desconcentração do poder do presidente. Em 27 de novembro, um protesto pacífico sem precedentes de 300 artistas foi organizado em frente ao Ministério da Cultura, exigindo liberdade de expressão.
Enquanto isso, há poucas semanas, um decreto para o bem-estar animal foi aprovado, sendo considerado a primeira vitória da sociedade civil não oficialista. A rápida disseminação da Internet nos últimos três anos na ilha permitiu que muitos cubanos expressassem descontentamento. O PCC, por sua vez, já anunciou que enfrentará a “subversão político-ideológica” nas redes sociais. Para Shifter, esta nova geração governante tem o grande desafio de responder com um projeto político diferente daquele da geração de líderes históricos, que garanta ampla liberdade para a sociedade.
A tradição dos líderes da revolução era mobilizar a população para um apoio ideológico ativo, mas isso está mudando. “Hoje a mobilização é seletiva. Não tanto com uma lógica ideológica, mas política, de acordo com o governo, exigindo neutralidade em vez de militância”, diz o acadêmico cubano Arturo López-Levy, da Holy Names University, em Oakland, Califórnia.
Relação “pragmática” com os EUA Outro fator fundamental será a relação que a nova equipe política manterá com os Estados Unidos, a qual, para alguns especialistas, determina em grande parte o que acontece na ilha. O novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, havia dito em sua campanha que eliminaria as sanções impostas por seu antecessor, Donald Trump, e retomaria uma política de aproximação, tendo como bússola a exigência do respeito aos direitos humanos. Até agora, porém, Cuba não tem sido uma prioridade.
“Devido à dinâmica que existe entre Cuba e os Estados Unidos, os Estados Unidos realmente condicionam direta e indiretamente muito do que acontece [em Cuba], até mesmo a tomada de decisões dos líderes cubanos”, segundo o analista político Harold Cárdenas. O novo projeto político cubano também teria de construir uma relação pragmática com os Estados Unidos, e algo que pode mudar é a forte presença militar no governo, no PCC e na economia. Boa parte das 280 sanções impostas a Cuba pelo governo Trump tinha como alvo empresas dirigidas por militares. Sob uma nova política, elas poderiam passar para as mãos de civis para não serem alvo de sanções.
Mesmo que sejam civis, ou militares, o Estado é o proprietário dessas empresas. Caso isso não aconteça e a hostilidade dos Estados Unidos continue, internamente “Cuba experimentará uma longa renegociação das relações civis-militares”, acredita López-Levy. Assim, “os militares terão a justificativa perfeita para continuar desempenhando seu papel de destaque na esfera política e socioeconômica”, conclui.