Rodrigo Negreiros
Raúl Castro estava com o irmão, Fidel, quando os revolucionários tomaram de assalto o Quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, em 26 de julho de 1953. Seis anos depois, eles depuseram o ditador Fulgencio Batista. Raúl também foi o braço-direito e o conselheiro de Fidel até a morte do comandante, em 25 de novembro de 2016. Até 19 de abril de 2018, governou Cuba, quando transmitiu o poder a Miguel Díaz-Canel.
Ontem, no 60º aniversário da proclamação do caráter socialista da Revolução Cubana e aos 89 anos, Raúl presidiu o 8º Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC) e anunciou oficialmente a renúncia ao cargo de primeiro secretário da legenda, o mais alto do país. “Concluí minha tarefa como primeiro secretário (…) com a satisfação de tê-la cumprido e com a confiança no futuro da pátria”, afirmou, em meio a aplausos. Ele ressaltou que nada o obrigou a tomar a decisão de se afastar. “Acredito fervorosamente na força e no valor do exemplo e na compreensão dos meus compatriotas.”
Pela primeira vez em seis décadas, a família Castro não exercerá o poder em Cuba. “Continuarei militando como um combatente revolucionário a mais”, declarou ele, após defender “um maior dinamismo ao processo de atualização do modelo econômico e social” que vigora na ilha socialista e demonstrar o desejo de dialogar com os Estados Unidos. “Ratifico, desde este congresso do Partido, a vontade de desenvolver um diálogo respeitoso e edificar um novo tipo de relação com os Estados Unidos”, sem renunciar “aos princípios da revolução e do socialismo”.
Em seu último grande discurso, diante do Birô Político do PCC e de 300 delegados do partido, Raúl destacou que não se pode exigir de Cuba a renúncia “à autodeterminação dos povos” — segundo ele, um princípio da sua “política externa, comprometida com as causas justas” e com “o histórico apoio a países irmãos”, em alusão à Venezuela. A transição no comando do PCC marca a aposta em uma nova geração. A previsão é de que o presidente Díaz-Canel seja nomeado primeiro secretário do PCC na segunda-feira. “Sonhar e manter um país: hoje, começa nosso 8º Congresso do PCC, o Congresso da Continuidade”, tuitou.
Em entrevista ao Correio, Rolando António Gómez González — encarregado de negócios de Cuba em Brasília — afirmou que, desde 2011, o governo tem introduzido profundas mudanças estruturais e de conceitos do modelo econômico do país, de forma gradual e progressiva. “São transformações destinadas a aprimorar e a preservar o socialismo, ajustado às condições de Cuba. O 8º Congresso do PCC será um pilar determinante para impulsionar e tornar mais eficientes essas mudanças”, explicou.
O diplomata não vê a saída de Raúl Castro do comando do partido como o fim de uma era ou de um legado. “Pelo contrário, nós o assumimos como continuidade, como um processo de mudança geracional em uma revolução de 62 anos, cujo tesouro mais precioso é justamente o legado, as ideias e a liderança de Fidel”, disse González. Segundo o embaixador, o congresso em Havana busca retransmitir a continuidade dos princípios e valores, “que sustentam um projeto nacional independente e soberano, justo e digno, o qual é defendido pela imensa maioria do nosso povo com o PCC na sua vanguarda”, comentou.
Dissidência
Ceticismo e descrença marcam a oposição cubana. “Eu espero continuidade, como Miguel Díaz-Canel disse”, admitiu ao Correio o escritor e dissidente Orlando Luis Pardo Lazo, morador de Havana. “O cidadão comum sabe, de sobra, que nenhuma transformação positiva sairá deste congresso. As décadas de fracassada administração da economia, combinadas ao impacto da pandemia do coronavírus, desembocaram em profunda crise humanitária. Sem apenas o petróleo fluindo da Venezuela, o regime teve que implementar uma mudança monetária às pressas, o que fez com que a inflação disparasse. A esperança dos ditadores está em convencer a gestão democrata dos Estados Unidos para que saiam em seu resgate, por meio da reversão de sanções impostas por Donald Trump”, acrescentou.
Lazo acredita que Raúl pretenda permanecer no poder de modo autocrático, sem ser importunado por rivais, ainda que “oficialmente” fora do PCC e do governo. O jornalista independente Héctor Valdés Cocho, integrante do Movimento San Isidro (de protesto à censura nas artes e pela liberdade de expressão), aposta que “os tentáculos da família Castro seguirão manejando Cuba”. “Não tenho palavras para expressar o dano causado pela Era Castro ao meu povo. Tanta repressão, tanta perseguição, tanta egolatria por parte de Fidel e, depois, de Rául. Foi um legado de medo”, desabafou.
Depoimento
Continuidade histórica
Embaixador Rolando António Gómez González
“O 8º Congresso do PCC se reveste de enorme importância. Ele teve início na manhã de ontem, no 60º aniversário da proclamação ao mundo do caráter socialista da nascente Revolução Cubana, por seu líder Fidel Castro Ruz. Também ocorre no marco da celebração da vitória em Playa Girón, quando a invasão mercenária — equipada e financiada pelos EUA — foi derrotada em 66 horas.
Será, sem dúvida, o congresso da continuidade histórica. Ele focará atenção em assuntos centrais da vida política, econômica e social do país, entre os quais se destacam a conceitualização do modelo econômico e social de desenvolvimento e a implementação das diretrizes aprovadas pelo povo, especialmente o que deve ser mudado para Cuba alcançar um socialismo próspero e sustentável. Também serão analisados o funcionamento do partido e seu vínculo com as massas, a atividade ideológica e a situação dos quadros políticos.”