Representantes do governo e da oposição da Venezuela viajaram a Oslo na última semana de maio para abrir um diálogo e tentar buscar uma saída para a grave crise que vive o país sul-americano.
“As partes mostraram disposição de avançar na busca de uma solução acordada e constitucional para o país, que inclui temas políticos, econômicos e eleitorais”, declarou o ministério das Relações Exteriores da Noruega, em comunicado.
As conversas, no entanto, terminaram sem um acordo e os diplomatas noruegueses recomendaram que, “a fim de preservar o processo que permita chegar a resultados, solicita-se às partes tomar a máxima precaução, tanto em comentários como em declarações”.
Mesmo assim, o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, publicou um comunicado: “Ratificamos nosso caminho: fim da usurpação, governo de transição e eleições livres como via para solucionar a tragédia que hoje sofre a Venezuela. Este encontro acabou sem acordo”. Por fim, agradeceu “ao governo da Noruega por sua vontade de contribuir com um a solução para o caos que sofre nosso país”.
Já o presidente Nicolás Maduro declarou em mensagem transmitida na Venezuela: “Eu falo com a verdade, estou orgulhoso da delegação que temos na Noruega, e estou orgulhoso que estejamos em fase de diálogo construtivo com a oposição venezuelana, acredito que o caminho é a paz”.
Ainda não se sabe se haverá uma nova rodada de conversas.
Como a Noruega entrou nas negociações
Segundo o canal de TV norueguês NRK, as conversas começaram em Cuba e logo foram transferidas para a capital da Noruega, com a mediação do Ministério das Relações Exteriores do país nórdico.
Tanto o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como seu rival, Juan Guaidó, considerado como presidente legítimo por mais de 50 países, confirmaram o início do diálogo e enviaram seus representantes a Oslo.
O anúncio foi recebido com ceticismo na Venezuela, onde a população vive imersa em uma crise política e econômica prolongada.
A tarefa de aproximar as duas partes parece muito complexa depois de anos de tensão. Mas se alguém pode se sair bem em um contexto como esse, com duas partes em confronto e um clima político contaminado, são os diplomatas noruegueses.
O antecedente da Colômbia
Isso o governo venezuelano sabe muito bem, já que tanto a Venezuela como a Noruega participaram do processo de paz entre o Estado colombiano e a guerrilha das FARC. E esse é um aspecto chave.
“O que ajuda a Noruega é a experiência recente com a Colômbia, as relações dos seus negociadores e facilitadores, que se aproximaram das autoridades cubanas, mas também dos representantes venezuelanos”, diz à BBC News Mundo Lev Marsteintredet, professor de Política Comparada da Universidade de Bergen, na Noruega, e especialista em América Latina.
“Há um certo nível de confiança entre os governos da Venezuela e da Noruega”, assegura.
A unidade encarregada das mediações internacionais dentro do Ministério de Relações Exteriores é a unidade de Paz e Reconciliação, dirigida pelo diplomata Dag Halvor Nylander.
Nylander já exerceu um papel importante no processo de paz da Colômbia, presente em momentos importantes em conversações que, segundo ele mesmo admitiu à BBC, ocupavam “as 24 horas do dia, os 7 dias da semana”.
A BBC News Mundo entrou em contato com Nylander para essa reportagem, mas ele não quis conceder entrevista. O Ministério de Relações Exteriores não respondeu ao pedido.
Os diplomatas noruegueses são conhecidos por sua discrição, o que lhes permite criar a confiança necessária quando as conversações estão em fase inicial.
Por isso, Marsteintredet diz acreditar que o vazamento da informação de que a Noruega estava em contato com o governo e a oposição da Venezuela foi uma surpresa para os noruegueses, que certamente teriam preferido manter isso em segredo.
“São muito receosos em falar, porque grande parte da estratégia norueguesa é serem muito discretos e enfatizar que eles são facilitadores do contato, não parte”, diz à BBC Mundo Benedicte Bull, professora de Ciência Política no Centro de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Oslo.
Sri Lanka
Segundo Bull, os noruegueses aprenderam isso em processos como o do Sri Lanka, que não foi muito bem, e durante o qual um ministro norueguês se sobressaiu muito, diz Bull.
Tendo sido convidada pelas autoridades do Sri Lanka e os Tigres de Liberação do Tamil Eelam, a Noruega participou como “facilitadora neutra” das negociações entre as partes no conflito no país entre 1999 e 2006.
A Noruega assumiu com mais força o papel de mediadora internacional, pela qual é conhecida hoje em dia, na década de 1990.
Em especial, depois de sua participação nos Acordos de Oslo de 1993 entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina.
Esse acordo de paz foi, naquele momento, considerado um sucesso, embora com a perspectiva atual tenha sido incapaz de solucionar o conflito entre israelenses e palestinos e seja criticado ferozmente por todas as partes.
Seu papel de mediadora no momento de pôr fim às guerras civis no Mali e na Guatemala, em que colaborou dentro do Grupo de Países Amigos Pela Guatemala, foi considerado mais positivo.
O país nórdico se beneficia de relações bilaterais muito próximas com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que é respeitado em círculos de esquerda por sua tradição de políticas social-democráticas.
E ao contrário da Suiça, o outro país “pacificador” da Europa, a Noruega é parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Cautela
No caso da Venezuela, a Noruega, diferentemente de outros países europeus, tem sido “muito cautelosa na hora de criticar o governo Maduro, para não obstruir seu papel de facilitador em potencial”, assegura Marsteintredet.
A participação da Noruega nesses processos tem mudado ao longo dos anos, passando de se enxergar menos como “um negociador” para se situar mais como um “facilitador”, diz o especialista, “dando um passo para trás e deixando que as partes falem”.
Como no caso da Guatemala, Bull, do Centro de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Oslo, diz acreditar que nas conversações sobre a Venezuela é “completamente necessário que haja outros atores”, como o Grupo de Lima, que reúne mais de uma dezena de países da América Latina e está posicionado a favor de Guaidó, e o Grupo Internacional de Contato para a Venezuela criado em janeiro pela União Europeia e de que também formam parte a Costa Rica, o Uruguai, o Equador e a Bolívia.
Em uma fase preliminar como a atual, os outros atores “estão provavelmente informados mas contente de manter-se fora do radar”.
O desafio para diplomatas desse pequeno país de pouco mais de cinco milhões de habitantes é enorme.
Por que a Noruega faz mediações?
A pergunta é: o que a Noruega ganha se colocando em casos assim?
Para Mariano Aguirre, ex-diretor do Centro Norueguês de Resolução de Conflitos, essa política – que conta com o consenso dos grandes partidos – é a fórmula norueguesa para garantir sua segurança.
Ela faz isso “através da promoção da paz, do desenvolvimento e dos direitos humanos, mas fazendo parte da Otan e associada à Europa”, explica Aguirre. A Noruega não é membra da União Europeia, mas uma sócia próxima.
A professora Bull concorda. “Não há uma ganância imediata de ninguém. Isso é parte da política externa norueguesa desde os anos 1990. Somos um país vulnerável, como uma economia muito aberta, muito dependente do comércio e da paz mundial”, assegura. “Coisas que acontecem em lugares distantes nos afetam.”