SEUL — Concretizando uma ameaça feita há dias, a Coreia do Norte explodiu o escritório de ligações com o Sul na cidade fronteiriça de Kaesong, nesta terça-feira, estremecendo ainda mais as negociações entre Pyongyang e Seul. Até recentemente, o prédio inaugurado em 2018 era usado para que representantes norte e sul-coreanos trabalhassem em conjunto, sendo o primeiro canal para contato pessoal entre os dois países desde o armistício da Guerra da Coreia, em 1953.
Guardas sul-coreanos ouviram um estouro e, em seguida, viram fumaça saindo do local onde o escritório era localizado. Segundo imagens de câmeras de segurança nas fronteiras, a explosão foi tão intensa que janelas em prédios da vizinhança quebraram. A destruição do prédio de quatro andares foi confirmada pelo Escritório de Unificação do Sul e, horas depois, a imprensa estatal do Norte disse que o edifício foi “tragicamente destruído em uma explosão terrível”, ação que reflete a “mentalidade do povo enfurecido” da Coreia do Norte”.
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No fim de semana passado Kim Yo-jong, irmã e conselheira do líder norte-coreano Kim Jong-un, já havia feito ameaças contra o local, afirmando que “o inútil escritório de relações” seria “completamente destruído”. Desde o início do ano, a relação entre os países vem piorado e, neste mês, o Norte intensificou sua retórica contra o escritório. No dia 5, ameaçou fechá-lo e, no dia 9, cortou todas as linhas de comunicação com o Sul.
Tanto o escritório de ligação quanto as linhas diretas de comunicação entre os militares e as lideranças máximas dos dois países foram criados durante as negociações iniciadas há dois anos, por iniciativa do presidente sul-coreano, Moon Jae-in. O plano era que a região de Kaesong, há cerca de 10 km da fronteira entre as Coreias, se tornasse uma grande zona industrial conjunta. No passado, empresas sul-coreanas chegaram a operar na região, empregando mão de obra do Norte.
Aumento das tensões – A retórica norte-coreana vem se acirrando há algumas semanas, sobretudo contra os desertores norte-coreanos que enviam panfletos de propaganda a partir do Sul contra o Norte, por cima da zona desmilitarizada (DMZ) entre as Coreias. Os panfletos, argumentam os norte-coreanos, violam a Declaração de Panmunjom de 2018, em que os dois lados se comprometem a trabalhar pela “eliminação da tensão militar e substancial eliminação do risco de guerra”.
Mais cedo nesta terça, o exército norte-coreano afirmou que “totalmente preparado” para atuar contra a Coreia do Sul. O Estado-Maior do Exército Popular da Coreia anunciou ainda que trabalha com um “plano de ação para transformar em fortaleza a linha de frente”.
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Caso concretizada, a medida implicaria no envio de mais soldados para a fronteira mais militarizada do planeta, algo que certamente aumentaria as tensões na região. Isto possivelmente envolveria áreas que fazem parte da zona desmilitarizada desde 2000, quando os dois líderes coreanos se reuniram em uma cúpula pela primeira vez desde o cessar-fogo.
Nesta terça, frente às ameaças militares, a Coreia do Sul disse que “responderá com força” às provocações militares. No dia anterior, em uma reunião com seus assessores, Moon havia pedido cautela e o retorno das negociações. Segundo o presidente, “as promessas feitas sobre a paz pelo presidente Kim Jong-un para 80 milhões de pessoas (população das duas Coreias) não podem ser revertidas”, referindo-se ao acordo de 2018.
Impasse com os EUA – Moon busca um maior engajamento com o Norte, mas se recusa a romper sanções internacionais capitaneadas pelo governo americano contra o programa nuclear norte-coreano, que afligem ainda mais a já debilitada economia de Pyongyang. O regime de Kim, por sua vez, vem pressionando Seul para que implemente algumas das medidas concordadas em 2018, mas os sul-coreanos a vinculam à concretização de um projeto mais amplo de desnuclearização.
Em paralelo, desde o fracasso das conversas entre Trump e Kim, a estratégia de aproximação da Casa Branca vem se mostrando ineficaz para reduzir as tensões regionais. Os americanos não escondem que seu principal objetivo é obter o compromisso de que Pyongyang irá abrir mão de suas armas nucleares, que já estão operacionais, segundo informações de inteligência.
Os norte-coreanos, por sua vez, se mostram cada vez menos dispostos a aceitar a desnuclearização — internamente, alguns citam o exemplo da Líbia de Muammar Kadafi, que abriu mão de seu programa de desenvolvimento de armas nucleares em 2003, mas acabou derrubado e morto em uma revolução que contou com apoio de forças ocidentais em 2011.