Seyed Abbas Araghchi
Um século depois que a Grã-Bretanha e a França traçaram as fronteiras modernas da Ásia Ocidental, a Europa se vê cada vez mais ausente do futuro diplomático da região. Em discussões críticas – incluindo as negociações indiretas em andamento entre o Irã e os Estados Unidos – os diplomatas europeus raramente são mais do que observadores passivos. O passado colonial ficou para trás, mas a inércia atual da Europa, produto de suas próprias escolhas estratégicas, está prejudicando todos os lados.
Quando o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, se retirou unilateralmente do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) de 2015 – um acordo nuclear assinado pelo Irã e seis potências mundiais, incluindo Grã-Bretanha, França e Alemanha – o momento exigiu a determinação europeia. O então ministro das finanças francês, Bruno Le Maire, declarou que a Europa não seria um “vassalo” de Washington. No entanto, na prática, a UE3 (Grã-Bretanha, França e Alemanha) não cumpriu o prometido. Os benefícios econômicos prometidos pelo JCPOA nunca se concretizaram, pois, as empresas europeias optaram por cumprir as sanções dos EUA em vez de manter os compromissos de seus governos.
Hoje em dia, o mesmo padrão de indecisão estratégica ocorre mais perto de casa, onde Washington se envolve com Moscou com pouca consideração pelas capitais europeias. Em nenhum outro lugar isso é mais visível do que na recente abordagem da UE3 em relação ao mecanismo “snapback” do JCPOA – antes concebido como uma ferramenta de disputa de último recurso, agora é usado como alavanca diplomática. Essa atitude de birra corre o risco de desencadear uma crise global de não proliferação que afetaria de forma mais aguda os próprios europeus.
O Irã deixou clara a sua posição. Avisamos formalmente a todos os signatários do JCPOA que o abuso do mecanismo snapback terá consequências – não apenas o fim do papel da Europa no acordo, mas também uma possível escalada de tensões irreparáveis.
O EU3 deve se perguntar como chegou a esse beco sem saída. Durante o governo anterior dos EUA, os três países da UE atuaram como intermediários importantes entre Teerã e Washington, e o Irã se envolveu de forma construtiva. Mas quando a vontade política de Washington vacilou, os europeus abandonaram gradualmente o esforço. Em vez de se recalibrarem, os três países da UE adotaram uma postura de confronto – citando os direitos humanos ou os laços legais do Irã com a Rússia – como pretextos para se distanciarem diplomaticamente. O resultado: hoje, o Irã é mais sancionado do que as entidades oficialmente rotuladas como terroristas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Essa abordagem não apenas prejudicou as relações em nível de estado, mas também teve consequências humanitárias reais. Por exemplo, no ano passado, a proibição da UE à companhia aérea nacional do Irã, com base em alegações de exportação de mísseis, posteriormente negadas por altos funcionários ucranianos, limitou muito o acesso a medicamentos que salvam vidas, inclusive tratamentos contra o câncer.
O contraste com períodos anteriores é gritante. Em 2003, depois que um terremoto devastador atingiu Bam, no sul do Irã, a França rapidamente enviou um hospital de campanha. Mas quando um incêndio de grandes proporções tomou conta do porto iraniano de Bandar Abbas em abril, ameaçando a interrupção econômica em toda a Ásia Central e no Cáucaso, somente a Rússia ofereceu assistência imediata. As condolências da UE vieram mais de uma semana depois, bem após a crise ter sido contida.
Esse relacionamento desgastado se desenvolve enquanto o mundo assiste às catástrofes gêmeas de Gaza e da Ucrânia exporem os padrões duplos do Ocidente. Os iranianos, como outros, veem a indignação seletiva e perguntam: onde está a consistência?
No entanto, apesar das tensões, a história entre o Irã e a Europa continua rica. Os laços culturais, acadêmicos e econômicos – que abrangem energia, tecnologia, o setor automotivo e a cooperação ambiental – há muito tempo têm se mostrado frutíferos. Na diplomacia, o envolvimento europeu levou a uma colaboração significativa em questões que vão desde o Afeganistão até o Mediterrâneo Oriental.
Ciente desse histórico, fiz vários convites para reiniciar um diálogo significativo. Na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, no último outono, propus cooperação – não apenas no caso nuclear, mas em todas as áreas de interesse mútuo, inclusive a Ucrânia. Essas propostas foram recebidas com silêncio. Ainda assim, continuo comprometido com a diplomacia.
Após recentes consultas na Rússia e na China, manifestei minha disposição de visitar Paris, Berlim e Londres para iniciar um novo capítulo. Essa iniciativa levou a discussões preliminares em nível de vice-ministro das Relações Exteriores – um começo frágil, mas promissor. Mas o tempo está se esgotando.
A forma como reagirmos nesse momento crucial definirá o futuro das relações entre o Irã e a Europa de forma muito mais profunda do que muitos podem prever. O Irã está pronto para virar a página. Esperamos que nossos parceiros europeus também estejam.
(*) Seyed Abbas Araghchi é Ministro das Relações Exteriores da República Islâmica do Irã
Fonte: Opera Mundi