Jerusalém, Indefinido -Uma nova página se abre neste domingo (24) em Israel, com o início do julgamento de Benjamin Netanyahu, que se torna o primeiro chefe de Governo na história do país a enfrentar acusações criminais por corrupção, que ele nega, durante seu mandato.Após 17 meses de uma crise eleitoral em que sua “sobrevivência política” esteve em jogo, Netanyahu comparece ao tribunal do distrito de Jerusalém para uma nova batalha, desta vez judicial, para evitar a prisão e limpar sua reputação.
Netanyahu está acostumado a estabelecer precedentes: primeiro chefe de Governo de Israel nascido após a criação do país, o primeiro-ministro a mais tempo no cargo, o mais feroz opositor ao Irã. Antes dele, Ehud Olmert, também do seu partido Likud, foi acusado de corrupção, mas depois de ter renunciado como primeiro-ministro.
Olmert foi considerado culpado de aceitar subornos e passou 16 meses na prisão. Algo que Netanyahu, de 70 anos, tenta evitar, acusado de ter recebido charutos, champanhe e joias no valor de 700.000 shekels (180.000 euros, US$ 197.000) de pessoas ricas em troca de favores financeiros ou pessoais.
– “Sem precedentes” – Segundo os investigadores, Netanyahu também tentou obter uma cobertura favorável no jornal Yediot Aharonot. Mas, acima de tudo, a justiça suspeita que ele concedeu favores que poderiam ter feito o chefe da empresa de telecomunicações israelense Bezeq ganhar milhões de dólares em troca de uma cobertura midiática favorável em um dos meios do grupo, o influente site Walla. Dos três casos, o último é o mais explosivo e talvez também o mais complexo.
“Nos casos tradicionais de corrupção, tudo gira em torno do dinheiro (…) mas aqui trata-se de corrupção para obter cobertura favorável na imprensa. É sem precedentes”, diz Amir Fuchs, pesquisador do Instituto Democrático de Israel, um centro de pesquisa em Jerusalém. Como provar os favores na imprensa? “Não é apenas oferecer cobertura favorável (para Netanyahu), dizendo coisas boas sobre ele (…) mas conceder a ele controle editorial completo sobre textos e fotos específicas”, detalha.
Após meses de suspense, o procurador-geral Avichai Mandelblit acusou Netanyahu em novembro de 2019, o que seus detratores consideraram uma “sentença de morte política”. Mas “Bibi”, como os israelenses o chamam, conseguiu se manter à frente do partido, terminar em primeiro lugar nas últimas eleições legislativas, negociar um acordo para compartilhar o poder com o rival Benny Gantz, e assim permanecer como primeiro-ministro.
– “Conflito de interesses” – Seu julgamento deveria começar em meados de março, mas a crise da COVID-19 adiou-o para 24 de maio. Os advogados de Netanyahu pediram que ele não comparecesse pessoalmente na abertura, neste domingo (9H00 de Brasília), de um julgamento que pode durar meses ou até anos, em caso de recurso.
Mas o tribunal confirmou nos últimos dias que o primeiro-ministro deveria estar presente na audiência, ainda que técnica, com a leitura das acusações. “Uma pessoa só pode ser julgada por acusações penais em sua presença”, insistiram os magistrados.
Em Israel, o primeiro-ministro não tem imunidade judicial, mas, diferentemente de outros cargos públicos e políticos, não precisa renunciar ou se retirar durante o julgamento.
De acordo com Yuval Shany, professor de Direito da Universidade Hebraica de Jerusalém, Benjamin Netanyahu se encontrará em uma situação de “conflito de interesses” porque será “chefe de governo e, portanto, responsável por um número considerável de decisões que podem afetar a vida do povo, e acusado na luta contra as instituições governamentais que o processam”.
Como consequência, estaria em posição de liderar um governo, mas também de enfraquecê-lo, e a população pode se perguntar se ele tomará decisões para o bem do país ou como acusado, aponta Shany. Após o primeiro dia de julgamento, os três juízes escolhidos pela Suprema Corte para este caso inédito poderão solicitar ao primeiro-ministro que participe de várias audiências.
Netanyahu se declara inocente e denuncia um plano tramado pela justiça contra ele, mas pode, a qualquer momento antes do veredicto, “negociar uma sentença” com o promotor, conforme autorizado pela lei israelense.