Independente desde 1o de julho de 1962, o Burundi é um país africano conhecido como “Grandes Lagos”, alojado entre dois gigantes, a saber, a República Democrática do Congo no Oeste e a Tanzânia no Oriente. Ao norte é Ruanda. Sua economia baseia-se principalmente na agricultura com café e chá como produtos de exportação. No entanto, há algum tempo, o país mostrou vontade de diversificar sua economia, explorando seus depósitos de níquel, coltan, ouro e terras raras. É dentro de seu território que se encontra a nascente do Rio Nilo. Em entrevista exclusiva com o embaixador do Burundi Gaudence Sindayigaya, 54 anos, vamos conhecer um pouco dessa nação africana que, atualmente, busca ampliar as relações com o Brasil. Ele está desde à frente da embaixada desde sua abertura, em março de 2012 . Sindayigaya veio de uma missão em Washington, nos Estados Unidos.
Como você descreve seu país e quais são as áreas em que o país fez o maior progresso?
Somos um país muito pequeno (pouco menos de 28 000 km²), mas bastante bonito com uma população acolhedora e muito aberta, mesmo que o país seja sem litoral (sem acesso ao mar). Do ponto de vista lingüístico, existe uma língua nacional, Kirundi e línguas ensinadas na escola, nomeadamente francês, inglês e kiswahili. O Burundi é um dos países francófonos reunidos na Organização Internacional da Francofonia (OIF). É também um dos seis países da Comunidade Económica da África Oriental, sendo os outros cinco o Quénia, Uganda, Ruanda, Tanzânia e Sudão do Sul.
Antes de falar de progresso, deve-se lembrar que, há pouco tempo, o Burundi saiu de uma grande crise interna que durou mais de dez anos e que o país sofreu não só do ponto de vista humano, mas também do ponto de vista econômico e político. A este respeito, os principais esforços da última década foram o restabelecimento, consolidação e estabilização das diversas instituições nacionais. É esta estabilidade que permitiu o progresso econômico que vimos até agora. Isso ajudou a duplicar ou até triplicar a taxa de escolarização de nossos filhos. O número de escolas aumentou cinco vezes, enquanto a educação primária tem sido gratuita desde 2006. De modo semelhante, no campo da saúde pública, avançou-se significativamente a luta contra o HIV / AIDS, os cuidados dos doentes, etc. Podemos multiplicar os exemplos.
Em julho, o Burundi fez mais um aniversário de independência. Qual a importância dessa data para a população?
Nós celebramos a bravura dos nossos avós, dos nossos ancestrais na época da colônia. É importante porque fazemos lembrar à juventude que a independência não é qualquer coisa que se adquire definitivamente, é uma luta constante. A independência reforça a unidade nacional e o progresso econômico. Sem unidade nacional, não existe independência.
Brasília: Como é a relação Brasil-Burundi?
As relações entre Burundi e o Brasil são antigas; Eles datam da década de 1970 e continuaram a melhorar ao longo do tempo. Estas são relações de amizade e cooperação, baseadas no respeito mútuo, na não interferência nos assuntos internos de cada um dos nossos países. A abertura de nossa embaixada em Brasília faz parte deste desejo comum de trabalhar para o desenvolvimento dessas relações. Mas nossa presença aqui faz parte de um quadro muito mais amplo: é um sinal da determinação do Burundi de ser mais aberto ao mundo, de se integrar mais firmemente na comunidade internacional e assim participar da sua evolução.Assim, além do Brasil, nossa embaixada também cobre Argentina, Cuba, México e Venezuela.
Voltando às excelentes relações entre o Brasil e o Burundi, fico muito satisfeito ao ver que os interesses dos nossos dois países se reúnem em diversas questões, como a cooperação Sul-Sul, a necessidade de uma governança global mais justa e mais equilibrada. Acreditamos que o mundo de ontem já não é o mundo de hoje, instituições internacionais e governança global também devem mudar e se adaptar às realidades atuais.
Como o senhor vê a diplomacia internacional?
Como eu disse, a questão de uma governança global mais equitativa e equilibrada é primordial. Os princípios fundadores das relações internacionais são bons em geral, mas ajustes são necessários no nível da prática. As mentalidades devem evoluir. Hoje, há realmente o que eu chamaria de “diplomacia de humilhação” praticada por certos países e que, se olharmos com atenção, está na origem de certo número de conflitos ou de quaisquer pelo menos grandes dificuldades. Hoje, existem países que acreditam que estão autorizados a dizer aos outros o que fazer. E outras coisas que, infelizmente, não são propícias à paz que todos buscamos, nem a uma boa cooperação entre as nações do mundo.
Para retornar às instituições das quais falei anteriormente, deve-se admitir que é completamente anormal que continentes inteiros como África, América do Sul e mesmo a Ásia estão completamente ausentes (ou quase) de certos órgãos de decisão globais. Precisamos de mais representação da África e da América do Sul em todos os níveis das várias instituições internacionais.
Em relação à área de comércio exterior?
Em geral, as relações entre a África e o continente sul-americano são relações antigas e profundas. Mas, no que diz respeito às relações comerciais, não diria que elas estão realmente desenvolvidas. Nós podemos fazer melhor. Uma das principais dificuldades é a logística; o tráfego entre nossos dois continentes, seja aéreo ou marítimo, ainda precisa ser desenvolvido. É por isso que os custos de transporte são muito altos e nossas relações comerciais são reduzidas. É uma pena.
É claro que esta situação varia de país para país. No que diz respeito ao Burundi, é ainda mais complicado pelo fato de sermos um país que, além de ser encravado, está entre os mais distantes dos continentes sul-americanos. Não podemos nos comparar a países da África Ocidental, por exemplo. Entendemos por que nossas relações comerciais com o Brasil ou outros países da região são fracas.
Que tipo de parceria comercial já existe entre o Burundi e o Brasil?
Como acabei de dizer, a distância geográfica entre nossos países e, portanto, o custo do transporte, complica grandemente o desenvolvimento das relações comerciais entre o Brasil e Burundi. Por outro lado, temos uma cooperação interessante nos campos da agricultura e da educação. No momento, por exemplo, existem seis técnicos e pesquisadores burundeses que estão em um curso de treinamento na Universidade de Lavras, Minas Gerais, como parte de um projeto para melhorar a agricultura de algodão no Burundi. Há outro projeto conjunto sobre pesca e aquicultura, mas não posso dizer mais porque ainda está em negociação.
Para retornar ao setor comercial, gostaria de dizer que o Brasil produz muitas coisas que interessariam o Burundi. Por exemplo, sabemos que o Brasil é um dos campeões da criação de gado. E, no Burundi, temos um grande déficit de proteína animal. Para resolver esta questão, o governo pretende desenvolver aquicultura e criação de gado de qualidade. A este respeito, penso que as raças de gado brasileiras seriam mais adequadas para nós, porque estão mais adaptadas às condições climáticas do que as raças europeias que atualmente importamos. É uma ideia que devemos aprofundar e tentar concretizar. Finalmente, outro aspecto a ser explorado no setor comercial é, sem dúvida, o relativo à maquinaria, além de insumos agrícolas e, em particular, fertilizantes.
Essas parcerias estão, então, em uma fase de construção?
Sim, exato. Na nossa profissão, o tempo para realizar as coisas é longo. Na diplomacia não se faz algo para ter resultado rápido.
Que legado o senhor deseja deixar à frente da embaixada?
Gostaria primeiro de dizer o quão orgulhoso estou pelas excelentes relações entre Burundi e Brasil, por um lado, e entre Burundi e os outros países da América Latina e do Caribe, os quais estou credenciado. E como o primeiro embaixador a ser credenciado aqui, acho que estou aqui por algo. Eu disse anteriormente que o trabalho diplomático é um trabalho cujos resultados nem sempre são diretamente observáveis. Nós não agimos hoje para ver os efeitos no dia seguinte. O que fizemos até agora com a minha equipe e todos os nossos colaboradores, talvez veremos os resultados só em alguns anos. Obviamente há muitas outras coisas a serem feitas; mas devo dizer que estamos satisfeitos com o que foi alcançado até agora. Espero que essas já excelentes relações de amizade e cooperação entre o Burundi e seus parceiros latino-americanos continuem a melhorar cada vez mais para a felicidade dos nossos povos.
Na visão do senhor, Brasil e Burundi têm semelhanças?
Quando viajo por este belo e excelente país que é o Brasil, fico sempre impressionado com as paisagens muito semelhantes às do Burundi; impressionado também por certas realidades sociais e culturais que muitas vezes são muito próximas: as cores vivas das roupas, a dança, a comida, etc. Em suma, no Brasil, é como se estivesse em casa, no Burundi. Como todos sabemos, essa proximidade cultural é explicada pela história de nossos dois continentes.
É por isso que quero que as relações entre o país e o Brasil sejam fortalecidas e diversificadas cada vez mais. Esta é a intenção do governo do Burundi quando decidiu abrir esta embaixada. Não era normal que tivéssemos apenas duas embaixadas em todo o continente americano (Washington e Ottawa), enquanto temos mais de dez embaixadas na Europa, por exemplo.
No plano político e diplomático, como eu disse, o Brasil e o Burundi compartilham um desejo comum de promover a paz mundial. Isso inclui o respeito por todos, por suas escolhas políticas, a igualdade de todos e a equidade. Neste aspecto, eu sei que o Brasil tem se dedicado enormemente e que frequentemente é o primeiro em missões de ajuda, como é o caso no Haiti. Por sua vez, Burundi está tentando fazer o mesmo participando de missões de manutenção da paz, como o fez na Somália desde 2007 (mais 5.000 soldados) ou na República Centro-Africana.
Finalmente, com o Brasil, compartilhamos a convicção de que o desenvolvimento do chamado “Sul” será alcançado através da “cooperação Sul-Sul”. Você percebe, então, que os pontos de semelhança ou convergência entre nossos países são numerosos e de natureza diversa. Eles não são apenas geográficos e culturais; eles também são políticos e diplomáticos. Nós agradecemos isso.