O homem que usa os gêneros para os fazer explodir, o coreano Bong Joon-Ho, ganhou com Parasite a Palma de Ouro da 72ª edição de Cannes. Parasite é uma fascinante alegoria sobre as relações humanas e as diferenças sociais graças à simbiose, primeiro, e à relação parasitária depois, entre duas famílias, uma pobre e outra de classe alta, cujos filhos se tornam amigos. Bong converte-se no primeiro coreano a ganhar este prêmio, ascendendo com a Palma a uma categoria que já demonstrava com sua carreira. Sua construção cênica e sua capacidade para domar o in crescendo em todos os seus filmes fazem dele merecedor da Palma. O diretor de O Hospedeiro (filme em que se inspirou nos touros da festa de São Firmino para os movimentos do monstro), Memórias de Um Assassino e Mother – A Busca pela Verdade obteve o prêmio em sua primeira participação na competição francesa.
O prêmio do júri, o terceiro em importância, foi para Les Misérables, da debutante Ladj Ly e para Bacurau, dos brasileiros Kleber Mendonça Filho e Julianno Dornelles. Se o primeiro é um digno policial rodado com verdade e brio nas periferias de uma grande cidade, e capta a tensão que se vive nessas ruas, o brasileiro é uma grande reflexão com múltiplas camadas sobre a realidade no Brasil, através de um thriller datado em um futuro próximo e que se desenvolve no Nordeste do país e que expõe como os habitantes de um povo se enfrentam aos norte-americanos que chegaram ali com a intenção de lhes caçar. De passagem, Mendonça Filho, que começou como crítico de cinema, reivindica um Brasil livre e democrático.
Para a Espanha, ficou um sabor agridoce. Não há cineasta estrangeiro mais querido na França que Pedro Almodóvar, que inclusive se define como hispano-francês, e compete pela sexta vez sem levar a distinção principal. Dizia Almodóvar que esse troféu nunca foi uma obsessão para ele. “E menos agora”. Dor e Glória era uma das favoritas, e sua qualidade, sua maneira de se aprofundar na alma de um criador em crise, destacava-se entre os competidores. Foi embora quase de mãos vazias. Quase, porque Antonio Banderas obteve o prêmio de melhor interpretação masculina com a sua construção do alter ego de Almodóvar, Salvador Mallo. Banderas falou com o troféu nas mãos, após subir com calma ao palco, sobre os anos que se passaram desde que ele veio pela primeira vez a Cannes. E agradeceu o prêmio em seu nome e no de seu personagem. “Não é nenhum segredo que Salvador Mallo é Pedro Almodóvar.” Definiu o cineasta como “amigo, mentor” e descreveu os anos de sacrifício vividos como ator e como artista, antes de agradecer “infinitamente”.
Sylvester Stallone, a estrela que arrasou em La Croisette nas últimas jornadas desta edição, apresentou o Grande Prêmio do Júri, que foi para Atlantique, da diretora francesa Mati Diop, a primeira cineasta negra a concorrer em Cannes. Seu filme narra, na costa atlântica africana, em Dakar, uma história de amor entre jovens com ânsias de um mundo melhor.
O Prêmio do Júri, o terceiro mais importante, foi para Les Miserables, do estreante francês Ladj Ly, e para o brasileiro Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. O primeiro é um digno longa policial rodado com brilho e verdade no subúrbio de uma grande cidade, captando a tensão vivida nessas ruas. Já o segundo é uma grande reflexão com múltiplas camadas sobre a realidade vivida no Brasil, através de um thriller que transcorre num futuro próximo, no norte do país, expondo como os habitantes de uma cidade enfrentam os norte-americanos que chegam ali com a intenção de caçá-los. Mendonça Filho, que começou como crítico de cinema, reivindica um Brasil livre e democrático.
Os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, que já possuem duas Palmas de Ouro, levaram o prêmio de melhor direção por O Jovem Ahmed, uma reflexão não muito bem-sucedida sobre o que leva alguns jovens europeus a embarcar no jihadismo. No palco, falaram da potência do cinema para contar histórias e curar feridas.
A guerrilheira Céline Sciamma ganhou o prêmio de melhor roteiro com Portrait de la Jeune Fille en Feu. Desde a exibição de seu drama amoroso –o qual, ao contrário de seus filmes anteriores, aplaca paixões até metade da projeção–, que conta um belíssimo e intenso relacionamento entre uma artista encarregada de pintar o retrato matrimonial de uma jovem aristocrata do século XVIII e sua retratada, a crítica se encantou pelo filme. A francesa parecia destinada a grandes prêmios. Como Elia Suleiman, o cineasta palestino, que ganhou uma menção especial do júri por It Must Be Heaven, no qual volta a ressuscitar seu alter ego na tela, E.S, um filho de Buster Keaton e Jacques Tati, que acompanha atônico e com ingenuidade o infeliz futuro do mundo atual
Emily Beecham, a atriz de Little Joe, da austríaca Jessica Hausner, um filme que combina ficção-científica e relações emotivas com plantas criadas por uma corporação, levou o prêmio de melhor interpretação feminina, em um ano com poucas mulheres como personagens principais, e notáveis, menos ainda.
A Câmera de Ouro – prêmio que homenageia o filme de um diretor estreante, projetado em qualquer mostra do evento, ficou com o guatemalteco César Díaz, por Nuestras Madres, um drama sobre guerrilheiros e vítimas, e também um filme que reflete sobre segredos de família.
A 72ª edição de Cannes se encerra com a sensação de ter reunido uma boa coleção de títulos, e com a sessão competitiva com propostas heterogêneas. Os três filmes espanhóis (Dor e Glória, na mostra competitiva, e O Que Arde, de Oliver Laxe, e Liberté, de Albert Serra, na mostra Um Certo Olhar) foram premiados. Ainda assim, o peso do cinema espanhol continua sendo pequeno neste festival, e nem toda a culpa é da organização francesa. Mas Thierry Frémaux, diretor do festival de Cannes, terá de encarar alguns problemas em 2019. Ainda permanece nas escadas de acesso à sala principal do Palais des Festivals a recordação da foto que no ano passado reuniu 82 diretoras, produtoras e personalidades do cinema para destacar que somente 82 mulheres haviam participado da seção competitiva do festival em suas sete décadas de história, em comparação com quase 1.700 homens. Por outro lado, o divórcio da Netflix com Cannes parece irreversível. O melhor festival do mundo pode sobreviver sem a plataforma digital mais importante do mundo.