Ana Cristina Dib
A adequação das regras brasileiras de tributação da renda das empresas aos padrões internacionais e às diretrizes da Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) é decisiva para o Brasil atrair mais investimentos e aumentar sua participação nas cadeias globais de valor. O alinhamento das regras à nova ordem mundial, estabelecida pelo Projeto Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (BEPS), aumentará as chances de o Brasil receber uma parte maior dos US$ 4,4 trilhões que as multinacionais dispõem para investimentos produtivos em todo o mundo. A conclusão está no estudo “Tributação da renda das pessoas jurídicas: o Brasil precisa se adaptar às novas regras globais”, que integra o conjunto de 43 documentos que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou aos candidatos à Presidência da República.
“O atual sistema brasileiro de tributação da renda das empresas desincentiva os investimentos e nos afasta das cadeias globais de valor”, diz o gerente de Políticas Fiscal e Tributária da CNI, Mário Sérgio Telles. “Seguir as melhores práticas internacionais é o melhor caminho para resguardar a arrecadação e, ao mesmo tempo, tornar o País mais competitivo”, completa Telles.
Segundo ele, isso também depende da ampliação da rede de acordos bilaterais, para evitar a bitributação. Hoje, o Brasil têm tratados deste tipo com apenas 35 países. O documento da CNI observa que a China e a Índia vêm colhendo os resultados da adoção dessas medidas. Os dois países têm apresentado taxas de crescimento econômico invejáveis porque combinam características de grandes mercados consumidores e de disponibilidade de mão de obra com estratégias de atração de investimentos e de convergência às normas internacionais. “O Brasil apresenta características semelhantes com relação ao mercado consumidor e à mão de obra. Falta, porém, aprimorar regras tributárias para atrair mais investimentos”, recomenda a CNI.
A China, por exemplo, mantém acordos de bitributação com 99 países e implementou normas de preços de transferência sintonizadas com as diretrizes da OCDE. Além disso, a alíquota de imposto de renda das empresas, que é de 25% e pode cair para 15% em setores estratégicos, e a ausência de norma de tributação antecipada de lucros obtidos no exterior favoreceram o aumento da participação chinesa nos fluxos internacionais de investimentos. Em 2016, o estoque de investimentos estrangeiro na China alcançou US$ 1,35 trilhão, valor 115,7% superior aos US$ 625,9 bilhões investidos no Brasil. Naquele ano, o estoque de investimentos chineses no exterior foi de US$ 1,28 trilhão, valor 643% maior do que o brasileiro.
Na Índia, que tem acordos contra a bitributação com 96 países e também tem regras de preços de transferência alinhadas à OCDE, os investimentos estrangeiros subiram de US$ 45,6 bilhões (88,6% inferior ao do Brasil), em 1995, para US$ 318,5 bilhões, em 2016 (49,1% menor do que o do Brasil). O estoque de investimentos da Índia no exterior, que foi de US$ 144,1 bilhões, em 2016, é apenas 16,4% inferior ao do Brasil.
CADEIAS GLOBAIS DE VALOR – Além disso, a China e a Índia ganharam espaço nas cadeias globais de valor. De acordo com o documento da CNI, a renda produzida pelos fluxos comerciais dentro das cadeias globais de valor dobrou entre 1995 e 2009. Essa renda cresceu 600% para a China, 500% para a Índia e 300% para o Brasil. O desempenho brasileiro foi inferior ao de 15 dos 19 países do G-20 avaliados. Enquanto a Índia ganhou espaço nas cadeias globais de valor com funções estratégicas de alto valor agregado, como pesquisa e desenvolvimento, a expansão do Brasil está vinculada, especialmente, ao aumento dos preços de commodities.
“O Brasil se mantém distante das melhores etapas das cadeias globais de valor por ter normas inconsistentes em preços de transferência (principalmente em se tratando de intangíveis), por impor barreiras à importação de serviços, por manter uma rede limitada de acordos contra a bitributação e, consequentemente, não se utilizar das melhores práticas administrativas internacionais”, diz o estudo da CNI.
Ampliar e aperfeiçoar a aplicação da rede de tratados bilaterais para evitar a dupla tributação, atingindo número de tratados compatível com o porte da economia brasileira e comparável com as redes mantidas pelos demais países do BRICS, México e G-20. Isto significa ter por objetivo mínimo dobrar a rede de tratados do Brasil em oito anos, seguindo os exemplos da Índia e da China.
Convergir os Preços de Transferência no Brasil aos padrões internacionais, mantendo aspectos positivos das atuais normas brasileiras. Todos os métodos brasileiros e margens fixas continuariam em vigor com aprimoramentos pontuais, porém passariam a ser opcionais (safe harbors), solução que se justifica por sua eficiência administrativa.
Reduzir a alíquota nominal de tributação de pessoas jurídicas (IRPJ e CSLL) para abaixo da média OCDE, eliminar o limite de 30% para compensação de prejuízos fiscais e aprimorar os Juros sobre Capital Próprio (JCP), para que se tornem exclusão fiscal (despesa ficta ou presumida de juros sobre o capital social e lucros acumulados que permanecem reinvestidos), ao invés de remuneração paga diretamente aos sócios.
Adotar as melhores práticas antidiferimento (CFC) do mundo, identificadas pela Ação 3 do Projeto BEPS. O Brasil deve instituir norma eficaz para combater o abuso, a artificialidade e o acúmulo de capital improdutivo no exterior. É importante, no entanto, que a norma não desestimule o investimento e o reinvestimento em operações estrangeiras. O Brasil deve adotar o método de tributação no destino dos lucros ativos, combinado com o método de tributação na origem dos lucros passivos.
Ampliar o incentivo à inovação tecnológica, ao permitir a consolidação de despesas e cálculo do incentivo dentro de um período de até cinco anos (e não apenas as de cada ano em separado), garantir a dedutibilidade em casos de terceirização de atividades de inovação dentro do território nacional e não limitar a dedução incentivada ao lucro real (podendo ser registrado prejuízo fiscal).
Criar um novo programa de Cumprimento Cooperativo de Obrigações Tributárias (CCT) destinado aos maiores contribuintes e empresas transnacionais ainda que de pequeno ou médio porte.
Instituir sistema de consultas mutuamente vinculantes (inclusive em matéria de preços de transferência – Acordo Prévio de Precificação ou APA) e a Arbitragem Tributária no procedimento amigável (MAP) dos tratados (ADTs) e incrementar o acesso a estes mecanismos para casos de contribuintes que aderirem ao CCT/Prorelit.