Rodrigo Craveiro
Já se passaram mais de 96 horas desde que o cargueiro MV Ever Given, operado pela companhia Evergreen Marine Corp (Taiwan), encalhou no Canal de Suez, em meio a ventos violentos e a uma tempestade de areia. Pelo menos 248 embarcações estão impedidas de cruzar a principal rota mercantil entre a Ásia e a Europa, responsável por 10% do comércio marítimo internacional. Os prejuízos passam de US$ 38,4 bilhões (cerca de R$ 221,1 bilhões) — em torno de US$ 400 milhões por hora (ou R$ 2,3 bilhões). Ontem, fracassou uma primeira tentativa de remover o navio de 220 mil toneladas e 400m de comprimento (100m a mais do que a Torre Eiffel), com a ajuda de rebocadores e dragas.
A previsão é de que “dois rebocadores adicionais de 220 a 240 toneladas” cheguem ao local nas próximas horas. No entanto a navegação em Suez deve levar semanas para retonar à normalidade. Com o bloqueio, os preços do petróleo registraram forte alta. O barril de Brent do Mar do Norte para entrega em maio fechou a US$ 64,57 (ou R$ 371), uma alta de 4,23%. Em Nova York, o barril de WTI para entrega no mesmo período aumentou 4,11% e está cotado a US$ 60,97 (ou R$ 351).
Os Estados Unidos colocaram-se à disposição para ajudar a liberar o MV Ever Given. “Oferecemos assistência americana às autoridades egípcias para ajudar a reabrir o Canal de Suez”, declarou Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca. “Essas discussões continuam, e espero que possamos dizer mais em breve”, acrescentou. O governo do democrata Joe Biden estuda enviar especialistas da Marinha. O sinal verde depende da solicitação formal do Egito. A ideia da Casa Branca é despachar uma equipe da 5ª Frota dos EUA, baseada no Bahrein.
O dinamarquês Lars Jensen, analista e CEO da consultora SeaIntelligence, baseada em Copenhague, disse ao Correio que o Suez é, provavelmente, “o mais vital canal do mundo”. De acordo com o especialista, a pandemia da covid-19 agrava as consequências de um encalhe dessas proporções, “sem precedentes no Canal de Suez”. “Isso ocorreu no pior momento possível. Normalmente, o suprimento global de transporte de contêineres é muito resistente e possui ‘amortecedores’ importantes para atender ao inesperado”, lembrou Jensen. “Devido a uma série de diferentes efeitos em cascata da pandemia, o comércio marítimo mundial está sob estresse, com excesso de navios, contêineres vazios disponíveis em locais-chave e congestionamentos em muitos portos ao redor do mundo. Não existe muita capacidade adicional disponível.”
Analista de carga sênior da Vortexa — empresa especializada em análise de petróleo e baseada em Londres — , Arthur Richier explicou à reportagem que o incidente em Suez não apenas afeta o comércio de contêineres, mas também causa “imensos problemas para as commodites, como os metais, e os setores energético e agrícola”. “Os preços do gás natural e do petróleo estão subindo, e isso deve permanecer pelo curto prazo. Mais de 10% da demanda total de petróleo transita por meio do Canal de Suez, um ponto de estrangulamento muito importante para os mercados da commodity em todo o mundo”, observou.
Segundo Richier, as autoridades responsáveis por Suez jamais previram um encalhe desta proporção. “A indústria naval tem construído navios cada vez maiores sem necessariamente compreender a hidrodinâmica da navegação em situações peculiares como esta”, afirmou. Ele sublinhou que Suez é a rota marítima mais rápida para o Oriente Médio e a Ásia a partir da Europa. “O ‘caminho’ alternativo envolve uma viagem de 9 mil quilômetros até o Cabo da Boa Esperança, contornando a África, o que acrescentaria 15 dias de navegação. Isso aumentaria muito os custos de frete”, acrescentou Richier.
Um desvio por meio da África representaria um excedente em gastos de centenas de milhares de dólares por navio, ou um custo extra entre 15% e 20%, segundo estimativas feitas à agência France-Presse por Plamen Natzkoff, analista da VesselsValue, empresa responsável pela avaliação de navios, sediada em Londres. Com 164km de extensão, o Canal de Suez foi nacionalizado pelo então presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, em 26 de julho de 1956.