NABIL ADGHOGHI – Embaixador do Marrocos no Brasil
O Marrocos é um caso sui generis das relações internacionais. Uma velha nação; uma estrutura estatal ininterrupta desde 789; um país que foi, durante a colonização, desmembrado por parcelas e lutou por restabelecer sua soberania mediante sucessivas e árduas negociações com as duas potências ocupantes, França e Espanha.
Em toda circunstância, o Marrocos se baseou na primazia do direito e da legitimidade histórica. Se baseou sobre a sentença da Corte Internacional de Justiça de Haia, que reconheceu, em 1975, a “existência permanente de laços de lealdade entre os sultões do Marrocos e as tribos de Sahara” (o que significa, no direito muçulmano, laços de cunho jurídico e de soberania). Graças a essa sentença, firmou, com Espanha e Mauritânia, o Acordo de Madri em novembro de 1975, que marcou a recuperação do Sahara.
Reagiu ao apelo do Conselho de segurança das Nações Unidas para que as partes do conflito (Marrocos, Argélia, Mauritânia e Polisário) busquem uma solução política pacífica e mutuamente aceitável. Apresentou perante a mesma instância, em 2007, a proposta de autonomia para o Sahara, com instituições eleitas e prerrogativas exclusivas.
Essas colocações jurídicas e históricas são de suma importância para mostrar que toda a narrativa do Polisário não passa de um estelionato geopolítico, já que esse movimento não possui legitimidade popular, realidade demográfica e, muito menos, validade histórica.
Em relação ao princípio de autodeterminação, pelo qual a Argélia justifica a sua “batalha” diplomática contra o Marrocos, vale lembrar que o Marrocos sempre defendeu esse princípio para ajudar na emancipação da África. Foi no Marrocos que o líder Nelson Mandela aprendeu a luta armada e adquiriu as suas primeiras armas. Foi no Marrocos a criação, em 1961, da Conferência dos Movimentos de Liberação das Colônias sob Domínio Português em África.
É tão estranho observar que só a parte “ocidental” do Sahara seria separatista, enquanto as outras partes do Sahara são bem integradas, seja na Argélia, na Mauritânia ou no Mali. Seria tanto estranho quanto bizarro de ver, por exemplo, a população peruana da bacia amazônica lutar por sua autodeterminação, enquanto as populações brasileiras, colombiana, equatoriana, venezuelana, surinamense, do mesmo espaço geográfico, estão perfeitamente integradas nos seus respectivos países.
Portanto, os verdadeiros representantes do Sahara são aqueles que são democraticamente eleitos por meio de eleições que se realizam de maneira regular, como é sempre mencionado pela ONU. Enquanto os originários do Sahara que vivem em Tindouf (sudoeste da Argélia) são os únicos “refugiados” no mundo que nunca foram registrados pelo Acnur; que vivem dentro de uma zona militar; que não tem direito de se deslocar dentro do país acolhedor, Argélia. Com absoluta certeza, o cadastro da Acnur vai desacreditar de vez a propaganda enganadora e fraudulenta que alega a existência de um “povo” refugiado enquanto, na realidade, lá residem menos de 40 mil pessoas de várias proveniências, Mali, Mauritânia, Níger.
Uma outra manobra dolosa que está sendo descarada é tocante ao estatuto internacional do Polisário e de sua república autoproclamada. A grande maioria dos países africanos não tem nenhuma relação com esse movimento. Nenhum país árabe, fora a Argélia, reconhece ou sequer reconheceu o Polisário. O Polisário não é membro da Liga Árabe, da Organização da Cooperação Islâmica (OCI), do movimento de não alinhados (NAM) e muito menos da ONU. Mais cedo ou mais tarde, a União Africana excluirá esse movimento fantoche, onde ele foi admitido em 1984 em condições fraudulentas.
O Brasil, numa postura legalista, ajuizada e altamente respeitada, nunca sequer reconheceu essa entidade fictícia e continua defendendo uma solução política no Conselho de Segurança, onde a questão do Sahara continua sendo tratada. A última resolução, adotada em outubro de 2022, confirmou novamente a preeminência da iniciativa de autonomia, considerada doravante pela comunidade internacional como séria, realista e pragmática.
Hoje em dia, 90 países se expressaram a favor: todos os países árabes, a grande maioria dos países africanos, Estados Unidos, mais de 10 países europeus (Espanha, França, Alemanha, Áustria, Portugal, Bélgica, Países Baixos, Hungria, Sérvia, Chipre;,Romênia), um grande número de países asiáticos.
Finalmente, o Marrocos apela à comunidade internacional para apoiar o Conselho de Segurança das Nações Unidas em busca de uma solução política para um conflito regional que impede, há quase meio século, a integração do Maghreb. É tão urgente convencer o regime argelino a cessar com seus discursos belicistas, suas narrativas virulentas e suas atitudes provocantes. É tão urgente para que o Maghreb saia do status quo imposto pela Argélia há mais de meio século, com fronteiras terrestres fechadas, espaços aéreos proibidos, comércio horizontal pífio e movimento humano inexistente.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense