A maior preocupação é com o avanço do coronavírus no interior do país. “Tomamos a decisão de prorrogar as medidas de cuidado, de isolamento sanitário e de distanciamento físico até 20 de setembro”, anunciou o presidente Alberto Fernández numa mensagem gravada, divulgada com um atraso de mais de quatro horas. Ciente do cansaço social depois de 162 dias de um isolamento iniciado em 20 de março, Fernández preferiu não se expor a uma entrevista coletiva e não usou o termo “quarentena” para se referir à nova extensão, a 11ª desde o início das medidas de restrição.
Desta vez, a prorrogação foi mais longa que o habitual, de duas semanas. O anúncio acontece quando o país passou, nos últimos três dias, a superar os dez mil contágios diários. Nas últimas 24 horas, o país registrou o recorde histórico de 11.717 novos contágios, mesmo sendo o país que realiza menos testes na região, apenas à frente de Bolívia, Equador, Guiana e Suriname, respectivamente.
A Argentina tem agora 392 mil casos confirmados e 8.271 mortes. Apesar da quarentena e dos poucos testes, o país está perto de entrar no ranking dos dez com maior número de contágios, embora o índice de letalidade (2,11%) seja baixo. “Há 45 dias, 93% dos novos casos aconteciam na área metropolitana de Buenos Aires, enquanto, nas províncias (no interior), estavam 7%. Hoje, 37% do total acontecem nas províncias”, ilustrou o presidente, para mostrar a sua preocupação com o rápido avanço do novo coronavírus pelo interior argentino, onde “o sistema de saúde não é tão robusto”.
“Não podemos nos descuidar agora. O problema não é só Buenos Aires: está em todo o país. Se nos relaxarmos, não há sistema de Saúde que aguente’, advertiu Alberto Fernández. Já existem cidades do interior com os hospitais saturados. A área metropolitana de Buenos Aires, que compreende a capital e mais dez municípios ao redor, dá sinais de estar sob controle. O Distrito Federal tem 60% de ocupação nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) enquanto, nos municípios ao redor, a média é de 66%.
Reuniões ao ar livre, sim; em ambientes fechados, não Com a situação estável na região mais densamente povoada do país, o presidente deu a única boa notícia para as próximas três semanas: “Vamos autorizar os encontros até dez pessoas ao ar livre, com distância de dois metros entre si e com uso de máscara”. Em seguida, alertou que “não se deve adotar um estado nem de relaxamento, nem de confiança”.
O alívio, válido apenas ao ar livre, deve ser validado por cada governador. Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires, a mais populosa do país, descartou a aplicação para 35 municípios. Nessa área periférica da capital argentina, nem mesmo as crianças podem ir às praças para brincar, mantendo um confinamento que já dura cinco meses. Os encontros de pessoas em ambientes fechados permanecem proibidos, avisou Alberto Fernández, reforçando o decreto que impede reuniões entre amigos e parentes que não convivam sob o mesmo teto.
Liberdades x restrições O anúncio do presidente, por um lado, e do governador opositor do Distrito Federal, por outro, evidenciou o clima de tensão política no país em que a rigidez da quarentena é motivo de discórdia e de manifestações populares. Até então, ambos estiveram juntos nos dez anteriores anúncios. O governador do Distrito Federal, Horacio Rodríguez Larreta, para quem “a quarentena tem restringido as liberdades”, pressiona para flexibilizar as medidas, obtendo algumas permissões para a capital do país e apostando na responsabilidade civil.
“A partir de segunda-feira, vamos permitir a abertura de bares e restaurantes apenas com atendimento nas ruas e daremos mais espaço público para as mesas, que deverão ter distância entre si e um máximo de pessoas”, anunciou Larreta, que prometeu ainda começar a retomar gradualmente os trabalhos de construção civil na cidade de Buenos Aires. A flexibilização obtida por Larreta foi oportuna. Os donos de dois mil bares e restaurantes ameaçavam abrir os seus comércios à força, de forma simultânea. Foi a bem-sucedida estratégia que, semanas atrás, adotaram os comerciantes do bairro de Once, então proibidos de abrirem as suas lojas enquanto os camelôs ocupavam as ruas.
O governador do Distrito Federal não conseguiu permissão do governo federal para que as empregadas domésticas, com domicílio na cidade, voltem a trabalhar. O choque de visões entre Horacio Larreta e Alberto Fernández ficou evidente nesta semana, a propósito de um plano que previa apenas o regresso às aulas de 6.500 dos 500 mil alunos da rede pública da cidade e que acabou rejeitado pelo governo federal.