Embaixador Rachid Bladehane
Em recente colaboração ao Correio Braziliense, o embaixador do Marrocos acusou a Argélia de comportamento belicista e provocador, culpando-a pelo fracasso da União do Magrebe Árabe (UMA) e pelo fechamento das fronteiras entre os dois países
As instabilidades geradas pelas reconfigurações geopolíticas atualmente em curso no cenário internacional somam-se, no caso do Norte de África, a outras mais antigas, resultado de políticas expansionistas, agressões a países vizinhos, ocupação de territórios pela força.
Em recente colaboração ao Correio Braziliense, o embaixador do Marrocos acusou a Argélia de comportamento belicista e provocador, culpando-a pelo fracasso da União do Magrebe Árabe (UMA) e pelo fechamento das fronteiras entre os dois países.
Por isso, achei útil fornecer aos leitores do Correio Braziliense informações verificadas e verificáveis sobre as realidades de nossa região, muitas vezes distorcidas pela manipulação e simplificação midiáticas obviamente enganosas.
No que diz respeito ao alegado comportamento belicista e provocativo do meu país, a história da nossa região está repleta de exemplos em que o Marrocos sempre e sistematicamente foi, de forma premeditada, um agressor.
Foi o caso da guerra de agressão de 1963, mais conhecida como Guerra das Areias (disputa unilateral de fronteiras), desencadeada pelas Forças Armadas Reais Marroquinas contra a Argélia, que havia acabado de recuperar sua independência após oito anos de guerra — uma guerra de libertação que custou a vida de um milhão e meio de mártires.
Acrescentemos a isso a ruptura, em 1976, das relações diplomáticas com a Argélia na sequência do reconhecimento soberano pelo meu país da República Árabe Saharaui Democrática. A retomada das relações diplomáticas com o Marrocos em 1988 foi baseada em parâmetros claros e precisos, incluindo o apoio a uma “solução justa e definitiva para o conflito do Saara Ocidental através de um referendo livre e justo sobre a autodeterminação, realizado com toda a sinceridade e sem quaisquer restrições”, que o Marrocos aceitou e posteriormente rejeitou.
Além de todas essas negações, somou-se a grave deriva que consiste na invocação por um funcionário marroquino de um suposto direito à autodeterminação de uma região da Argélia. Tráfico de drogas e espionagem (Pegasus) também fazem parte do histórico desse país.
Com relação à construção magrebina, após a normalização das relações argelino-marroquinas em 1988, o Marrocos é o país membro que ratificou o menor número deacordos, sendo os mais importantes rejeitados. O Marrocos também decidiu unilateralmente, em 20 de dezembro de 1995, congelar as instituições da UMA.
As fronteiras terrestres argelino-marroquinas estão fechadas desde 1994 após o incidente diplomático provocado pelo Marrocos, que, sem nenhuma prova, acusou a Argélia de estar por trás do ato terrorista e do assassinato de dois turistas em Marrakech.
Diante dos maus-tratos aos turistas argelinos no Marrocos, as autoridades argelinas viram-se obrigadas a reagir: aplicação da medida de reciprocidade para vistos e fechamento da fronteira. E, desde esse incidente, o Marrocos, passados os momentos de pânico, volta regularmente a cobrar a reabertura das fronteiras. Sem sucesso.
Para voltar à questão do estatuto final do território do Saara Ocidental ocupado ilegalmente pelo Marrocos, basta lembrar que o Conselho de Segurança sempre identificou claramente as duas partes do conflito (o Reino do Marrocos e a Polisario) e que a Rasd é membro fundador da União Africana, onde tem assento com o Marrocos. Além disso, em seu parecer consultivo de 1975, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) não reconheceu nenhum vínculo de soberania territorial entre o Saara Ocidental, e o Marrocos e reiterou o direito à autodeterminação do povo saharaui. A Argélia sempre trabalhou para colocar as relações com seus vizinhos na perspectiva de uma comunidade de destino para os povos do Magrebe. Demonstrou isso notavelmente através do Transmed (um gasoduto que permite a exportação de gás natural da Argélia para a Itália via Tunísia) e o Gasoduto Argélia-Europa, também conhecido como GME (um gasoduto internacional que parte do campo argelino Hassi R’Mel e chega a Córdoba na Espanha via Marrocos e o Estreito de Gibraltar). Esse esforço tem sido, infelizmente, sistematicamente frustrado por atitudes que minam seriamente a prosperidade dos povos da região.
Publicação replicada do jornal Correio Braziliense