Brasil teve vitórias importantes na política externa, como a aprovação da Aliança Global Contra a Fome e a assinatura do Acordo Mercosul-União Europeia
Luiz Carlos Azedo/ Correio Braziliense
O Brasil voltou ao leito natural de sua tradição diplomática e, graças a ela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fecha o ano com vitórias importantes na política externa, como a aprovação da Aliança Global Contra a Fome, na reunião de cúpula do G20 no Rio de Janeiro, e, principalmente, a assinatura do Acordo Mercosul-União Europeia, que vinha sendo negociado há 25 anos. O anúncio da conclusão das negociações ocorreu durante a 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, no Uruguai, na sexta-feira.
A concretização do acordo esteve ameaçada, sejam pelas posições iniciais da Argentina, já superadas; seja pela dura oposição que ainda sofre da França, uma nação com a qual temos grandes parcerias estratégicas, inclusive, no plano militar. O presidente francês Emmanuel Macron, que mantém excelentes relações pessoais com Lula, pressionado pela crise política francesa, ainda vê o acordo como uma ameaça aos seus agricultores e trabalha contra sua ratificação pelo Conselho da União Europeia, o Parlamento europeu.
As eleições de Javier Milei, na Argentina, e de Donald Trump, nos Estados Unidos, fragilizaram ainda mais nossa liderança regional e expuseram contradições entre as alianças políticas históricas de Lula e a nossa tradição diplomática de independência e defesa de nossos próprios interesses, com forte intervenção no Sul Global, porém, sem nos descolarmos do Ocidente. O ponto de ruptura foi a eleição da Venezuela. O acordo entre Mercosul e a União Europeia e a não entrada na Rota da Seda reafirmam a nossa condição existencial de que somos uma nação do Ocidente.
Embora exista certo ceticismo em relação à sua implementação, por causa das contradições europeias, o acordo representa um grande avanço para a nossa política de comércio exterior e uma vitória do multilateralismo, num contexto em que ele nunca esteve tão ameaçado, principalmente devido à eleição de Trump. O governo federal estima que o fluxo de comércio entre o Brasil e o bloco europeu deve aumentar em R$ 94,2 bilhões, o que representa um impacto de 5,1% no comércio atual, até 2044.
O governo ainda estima um impacto de R$ 37 bilhões sobre o Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos no país), ou seja, cerca de 0,34% da economia brasileira. Com a redução das tarifas, pode haver um aumento de até R$ 42,1 bilhões das importações da UE e um crescimento de R$ 52,1 bilhões das exportações brasileiras para o bloco.
Divergências
A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, que tem uma balança comercial com o Brasil que supera os Estados Unidos e os 27 países europeus, juntos. Com o acordo Mercosul-União Europeia, o poder de barganha do Brasil aumenta tanto em relação à China quanto aos Estados Unidos.
A redução das tarifas que o Mercosul cobra da UE pode ser imediata ou ao longo de prazos, que variam entre 4 anos e 15 anos. Para o setor automotivo, os períodos de redução tarifária são mais longos, variando de 18 anos a 30 anos para veículos eletrificados, movidos a hidrogênio e com novas tecnologias. Do lado da UE, a redução tarifária também pode ser imediata ou por períodos que vão de 4 anos a 12 anos, a depender do produto.
O acordo com o Mercosul não é unânime na União Europeia. A Alemanha e a Espanha celebraram o término das negociações. O primeiro-ministro alemão Olaf Scholz exaltou a criação de um livre mercado com mais de 700 milhões de pessoas, proporcionando mais crescimento e competitividade. O presidente espanhol, Pedro Sanchez, comemorou: “A abertura comercial com nossos irmãos latino-americanos nos fará — todos — mais prósperos e fortes”.
Na França, a ministra de Comércio Exterior, Sophie Primas, anunciou que “lutará em cada passo do caminho ao lado dos estados-membros que partilham da sua visão”, declarou. É o caso da Polônia, cujo primeiro-ministro, Donald Tusk, também manifestou sua contrariedade e tenta obter mais apoio: “Se tivéssemos a Itália do nosso lado, provavelmente teríamos essa maioria”. A oposição de quatro dos 27 países membros pode barrar o acordo, desde que eles respondam por 35% ou mais da população do bloco.
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, entretanto, trabalha firmemente para que isso não aconteça. Segundo ela, pesarão na balança 60 mil empresas europeias que exportam hoje para o Mercosul, metade pequenas e médias empresas. Outro defensor do acordo foi o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que disse esperar que o acordo UE-Mercosul seja rapidamente confirmado. O governo da Suécia também celebrou: “Num mundo cada vez mais conflituoso, demonstramos que as democracias podem apoiar-se umas às outras. Esse acordo não é apenas uma oportunidade econômica, é uma necessidade política”, disse o ministro do Comércio sueco, Benjamin Dousa.
Fonte: Correio Braziliense