Brasília – A afirmação feita recentemente pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, de que tem “sérias dúvidas” sobre a implementação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul devido ao desmatamento na Amazônia foi recebida com apreensão pelo presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Para ele, “a hipótese de o acordo não ser implementado significaria um duro golpe para o Brasil, para a América do Sul e especialmente para o Mercosul”.
Em relação às declarações de Angela Merkel, ele afirmou que “elas são preocupantes porque a chanceler alemã expôs uma posição ponderada, não é uma posição ideológica ou por impulso. Infelizmente é uma posição bem madura. É possível reverter essa situação? Possível é mas agora o Brasil em que aparecer mais. Nós temos que conversar mais, dialogar mais. Nós hoje sabemos que a guerra pela comunicação no Brasil está perdida. A União Europeia tem muito mais poder de influenciar na comunicação do que o Brasil. Então nós temos que fazer a nossa parte, mostrar a realidade. Não adianta falar que são dados distorcidos e que não espelham a realidade. A realidade de cada um pode ser diferente da realidade de outro, mas a gente tem que se aproximar mais”.
A hipotética não entrada em vigor do acordo seria, na visão do dirigente, “uma volta a um passado bem distante”, pois “a oportunidade que o Brasil tinha de firmar um acordo com países de peso no mercado internacional era exatamente o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, porque todos os acordos que o Brasil firmou anteriormente foram acordos de pouca expressão econômica, ou seja, não têm nenhum significado”.
“A não implementação do Acordo Mercosul-UE seria um duro golpe e um retrocesso para o Brasil”, diz AEB. José Augusto de Castro reforça a argumentação de que a não concretização do acordo seria uma grande “regressão” para o Mercosul e para o Brasil na medida em que passaria para o mundo a ideia de que o bloco sul-americano não tem a capacidade de firmar um acordo com países ou especificamente com um bloco de grande expressão, como é o caso da União Europeia. Segundo ele, “isso seria muito ruim porque o mundo passaria a olhar o Brasil de forma negativa em termos do comércio mundial”.
Um outro efeito colateral do fracasso de um processo negociador que se arrastou por quase 20 anos e finalmente foi concluído em meados do ano passado, com a assinatura do acordo, estaria no fato de que a não implementação do tratado “levaria o Brasil a rever uma série de conceitos, a começar do zero outra vez, ou talvez do negativo e não zero, mas abaixo do zero, e tentar ocupar espaços no mercado internacional”.
Ele lembra que o sucesso do acordo certamente contribuiria para melhorar a posição ocupada pelo Brasil no contexto dos granes players do comércio mundial: “hoje nós somos apenas o vigésimo-nono país exportador apesar de sermos a nona economia mundial. Sem o acordo, essa situação não deverá se modificar”.
José Augusto de Castro comentou também a declaração do vice-presidente Hamilton Mourão, para quem “parece que o acordo Mercosul-União Europeia está vazando água”. De acordo com o presidente da AEB, “neste momento em que o mundo passa por uma transformação por conta da pandemia, ficar fora dos grandes pactos comerciais é muito ruim pois a gente vai assistir ao mundo negociar acordos internacionais e o Brasil contemplando, sem participar. Só espero que essa previsão do general Mourão não se concretize. Para o bem do comércio exterior brasileiro e do próprio Brasil”.
Na visão do presidente da AEB, “o fato de no final do ano Angela Merkel ceder a Portugal o comando da União Europeia poderia ser visto como um dado positivo porque Portugal é um país amigo. Mas, por outro lado, Portugal não tem peso suficiente para influenciar toda a União Europeia”.
Assim, pondera José Augusto de Castro, “a realidade é que nós temos que começar desde hoje, ou melhor, já deveríamos ter começado há tempos, buscar contatos e informações visando esclarecer o que está acontecendo. Discutir através da mídia só nos trará perdas porque não temos condições de influenciar as mídias. São publicadas muito mais notícias negativas que positivas sobre o Brasil e isso vai criando uma base contra o nosso país. Precisamos esclarecer os fatos pois não adianta reclamar dos fatos, se são verdadeiros ou não. Neste momento pode ser que alguma coisa fora da realidade esteja sendo divulgada, mas, infelizmente, a maioria está dentro do acontecido “.
Apesar de tudo, o presidente da AEB ainda acredita na possibilidade de o acordo vir a ser implementado e a razão é simples: “acredito que o acordo Mercosul-União Europeia continua interessando aos dois blocos, mas os dois blocos têm que se acertar. Existem alguns países da União Europeia que são claramente contra o acordo, mas diria mais uma vez que Mercosul e União Europeia precisam se sentar, levantar quais são os problemas e tentar esclarecê-los porque apenas contestando verbalmente alguma informação não leva a nada. Temos que discutir e muito para mudar o cenário, mas acho que o acordo continua sendo viável, talvez esteja um pouquinho mais difícil mas depende exatamente de demonstrar interesse para ser implementado”.