Da BBC News Mundo
Em meio ao deserto, a só 45 km a leste do Cairo, está sendo erguida a nova capital do Egito, um projeto que é não apenas caro e ambicioso, mas também bastante controverso.
A cidade ainda sem nome, conhecida por enquanto apenas como a “nova capital administrativa” do país, foi anunciada em março de 2015 como uma das principais iniciativas do governo do general Abdel Fattaf al Sisi, que prevê transferir seu governo para lá dentro de um ano.
Os obras estão em curso há três. Hotéis, residências e centros de convenções começam a ocupar os terrenos baldios. O plano é ter uma cidade completa, para cerca de 5 milhões de habitantes.
O projeto prevê ainda lagos artificiais, um parque com o dobro do tamanho do Central Park, de Nova York, escolas e universidades, hospitais, centenas de mesquitas, a maior igreja do país, um parque temático e um aeroporto.
A tudo isso, se somarão as instalações do governo, como palácios presidenciais, embaixadas e as sedes do Parlamento e de 18 ministérios. A expectativa é que 200 km de estradas conectem a futura cidade com a capital atual, o Cairo, e o restante do país.
A nova capital ocupará uma área de 700 km², pouco menos do que o tamanho da cidade de Nova York, e fica na metade do caminho entre o Cairo e o porto de Suez, um dos núcleos comerciais e econômicos mais importantes do Egito.
Mas por que construir uma nova capital?
De acordo com o Serviço de Informação do governo, a principal razão por trás do projeto é aliviar a superlotação do Cairo, uma megacidade com quase 20 milhões de habitantes e que deve chegar aos 40 milhões em 2050, além de “ajudar a fortalecer e a diversificar o potencial econômico do país com a criação de novos locais para se viver, trabalhar e visitar”.
Mas essa não é a primeira vez que o Egito tenta levar suas instituições governamentais para fora do Cairo. No fim dos anos 1970, o então presidente Anwar Sadat lançou uma política de construção de cidades, entre elas Cidade Sadat, onde se previa erguer um novo centro administrativo nacional, mas a empreitada nunca chegou a ser concluída.
Os críticos temem que a nova capital possa ter o mesmo destino e consideram o projeto pouco realista, argumentando que ele foi criado para favorecer o governo após anos de instabilidade.
Al Sisi chegou ao poder em 2013 após um golpe de Estado contra Mohamed Morsi, o primeiro chefe de Estado egípcio eleito democraticamente. Em abril de 2018, foi reeleito como presidente com mais de 97% dos votos.
“Há três reações diante do projeto. Alguns o defendem como uma solução adequada. Outros acreditam que faz falta uma nova capital não neste local, mas a oeste do Vale do Nilo. E há quem defenda que, em vez de construir outra capital, deveriam distribuir os recursos para o desenvolvimento de outras regiões do país”, diz o especialista em planejamento urbano Yehya Serag, professor da Universidade Ain Shams, no Cairo.
“Compartilho da terceira opinião. Seria melhor direcionar um recurso tão grande para outros projetos regionais.”
Também existem dúvidas sobre a viabilidade econômica de um projeto de US$ 45 bilhões (R$ 168,6 bilhões) em um país que, em 2016, acordou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) um empréstimo de US$ 12 bilhões ao longo de três anos e tem um déficit de 10,9% do Produto Interno Bruto (PIB).
Apesar da previsão de crescimento em torno de 3,9% para 2018 e 2019, a economia egípcia tem questões graves que foram intensificadas pela instabilidade econômica recente. Por sua vez, o governo diz que um projeto desta envergadura pode ser um motor econômico e de criação de empregos.
“Sempre há aspectos bons e ruins. Isso cria postos de trabalho no setor de construção, algo importante para um país que enfrentou problemas econômicos nos últimos anos”, avalia Serag.
O dinheiro chinês
Mas quem está construindo essa infraestrutura milionária?
Para o desenvolvimento do projeto, o governo criou uma empresa pública, a Nova Capital Administrativa para o Desenvolvimento Urbano (ACUD, na sigla original), com uma participação de 51% do Exército, que também é dono dos terrenos onde está sendo erguida a nova cidade. Os outros 49% são do Ministério da Habitação.
Está previsto que esta mesma empresa administre os edifícios que ficarão vagos no Cairo após o governo se mudar.
Desde a chegada de Al Sisi ao poder, cresceu o papel dos militares na economia do país, que já era significativo na época de Mubarak. O Exército tem centenas de empresas que vão de hotelaria, construção e energia a serviços médicos.
Além de supervisão e participação de militares e da iniciativa privada, o papel da China é determinante no projeto. Desde 2016, o governo egípcio negocia um investimento de US$ 20 bilhões da empresa pública China Fortune para a construção de quase 5 milhões de metros quadrados ali.
E cerca de 85% dos US$ 3 bilhões necessários para erguer o distrito financeiro da nova capital, segundo a Bloomberg, serão pagos por banco chineses. O obra está a cargo de outra empresa pública da potência asiática, a Empresa Estatal de Engenharia de Construção da China, a maior construtora do mundo.
Os problemas de uma megacidade
As opiniões sobre o projeto também se dividem do ponto de vista urbanístico e ambiental. O Cairo sofre com graves problemas de transporte, moradia e poluição. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a capital egípcia é a segunda megacidade do mundo em poluição do ar. Só é superada por Nova Déli, na Índia.
Só em 2017, segundo uma pesquisa da empresa Euromonitor, sua população aumentou em meio milhão de habitantes.
Os defensores do projeto garantem ser um passo necessário para descongestionar o Cairo, com a qual a nova capital estará conectada por meio de um trem elétrico. Mas sua localização no deserto suscita questionamentos, destaca Serag.
“Manter uma nova capital ali vai exigir uma infraestrutura especial, principalmente de abastecimento de água, porque o Egito e África em geral enfrentam uma escassez deste recurso.”