Na primeira vinda de um premiê israelense ao Brasil, Netanyahu se reuniu com Bolsonaro e sua equipe no Rio, antes da posse, e anunciou o desejo de fazer acordos de cooperação
Luisa Purchio
As autoridades estrangeiras presentes na cerimônia de posse do presidente Jair Bolsonaro, bem como a afinidade que vem demonstrando com determinados chefes de Estado, são um forte indício de que o novo governo mudará radicalmente a postura diplomática do Brasil. País com tradição de neutralidade quando se trata de relações internacionais, tudo indica que passará a assumir uma postura excludente, estendendo as mãos para determinadas nações e hostilizando outras.
Uma das mais simbólicas presenças foi do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, que inaugurou os laços com o novo governo – foi a primeira vez que um primeiro-ministro israelense visitou o País. Netanyahu desembarcou no Rio de Janeiro no dia 28 de dezembro para uma intensa agenda de cinco dias no País e logo se reuniu com o presidente eleito e seu ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O governo israelense anunciou a intenção de um acordo de cooperação tecnológica com o Brasil, em áreas como segurança, militar, pesca e agricultura, e Bolsonaro, por sua vez, que já havia anunciado que pretende mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, anunciou uma visita a Israel com uma comitiva brasileira em março. A aproximação com Israel, a única democracia e o único país desenvolvido do Oriente Médio, é bem-vinda, mas não precisa vir acompanhada de medidas que afastem o Brasil de parceiros comerciais importantes — como as nações árabes, que consideram uma afronta o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado judeu.
A mais simbólica das ausências, por sua vez, foi a do presidente da Argentina, um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Mauricio Macri preferiu aproveitar as férias com a família na Patagônia a vir à cerimônia de posse de Bolsonaro. Apesar de ter publicado um post no Twitter congratulando o novo colega brasileiro e de ter um encontro marcado com ele no próximo dia 16, sua falta foi criticada por empresários de seu país e vista como uma retaliação ao desprezo bolsonarista em relação ao Mercosul.
O receio de uma nada sutil mudança de rumo da diplomacia brasileira foi reforçado pelo discurso de Ernesto Araújo, na quarta-feira 2, quando assumiu o comando do Ministério das Relações Exteriores. Sua fala, repleta de citações em grego e tupi e de referências a Raul Seixas, Padre José de Anchieta e Olavo de Carvalho, foi dominada por posicionamentos ideológicos e religiosos, na mesma linha do novo presidente. “Vamos defender a soberania, a liberdade de expressão, a liberdade de crença, da internet, as liberdades políticas e os direitos da humanidade, o principal dos quais talvez seja o direito de nascer”, disse ele, que afirmou ainda que revisará a atuação do Brasil junto a ONU, que atualmente defende o direito ao aborto, e buscará alianças com nações sem se prender ao multilateralismo que hoje norteia a ordem global. “Para destruir a humanidade é preciso acabar com as nações e afastar o homem de Deus. E é isso que estão tentando, e é contra isso que nos insurgimos”, disse ele. A tônica de seus 30 minutos de discurso foi o oposto do que se ouviu um pouco antes da boca de Aloysio Nunes, que esteve à frente da pasta nos últimos dois anos e defendeu o pragmatismo e o as relações multilaterais na política externa.
Entre as poucas medidas concretas anunciadas pelo novo ministro, já em hora avançada de seu discurso, está a de reaproximar o Itamaraty do setor produtivo nacional. “Vamos trabalhar sem descanso para promover o comércio agrícola, a indústria, o turismo, a inovação, a capacitação tecnológica, os investimentos em infraestrutura e energia, avançando ombro a ombro com os outros ministérios”, disse ele, que afirmou também que formulará “com cada parceiro internacional um programa de trabalho específico”, que contará com uma APEX (agência de promoção de exportações) renovada, com um “setor de Promoção Comercial dentro do Itamaraty” e que desburocratizará “os setores de promoção comercial nas Embaixadas no Exterior”. Outro ponto foi em relação à Organização Mundial do Comércio (OMC), na qual o Brasil “entrará com todo o seu peso e sua criatividade”.
Entre os diplomatas, o compasso é de desconfiança sobre até que ponto o novo ministro conseguirá colocar o discurso em prática. Essa também é a percepção de Claudio Roberto Frischtak, presidente da consultoria internacional InterB e que já foi economista principal do Banco Mundial para indústria e energia e ex-consultor do Conselho Empresarial Brasil-China. “Não sabemos ainda como de fato vai ser o novo ministério, mas o Brasil está tomando uma posição isolacionista, à semelhança do governo do americano Donald Trump. Isso é perigoso para o Brasil, que não tem o mesmo poder dos Estados Unidos para jogar esse jogo”, diz Frischtak, que completa: “Não nos interessa hostilizar os vizinhos. O Brasil historicamente teve uma política muito equilibrada.”
Desde 1948, o País participa de operações de paz da ONU. Mesmo durante o governo do PT, quando houve alianças mais intensas com países governados por esquerdistas, o Brasil se manteve um país neutro e intensificou a atuação na ONU, como na missão de paz no Haiti. Agora, no entanto, o governo não só está construindo pontes com governos conservadores com quem possui afinidade ideológica, como também dá indícios de que romperá com importantes parceiros. “Nós estamos vendo muita ideologia, mas governar é diferente. Não faz sentido ter uma atividade de hostilidade com a China, que é a maior parceira comercial do Brasil, e tampouco criticar o Mercosul”, diz Frischtak.
“Nós buscaremos as parcerias e as alianças que nos permitam chegar aonde queremos” Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores
Licença para mudar
A radical mudança da política externa brasileira é especialmente perigosa, pois trata-se de uma área em que há menos pesos e contrapesos para evitar excessos. Diferentemente de outras áreas, como segurança, por exemplo, para mudar os rumos da diplomacia não é preciso a aprovação de leis que dependem do Congresso ou então da anuência do Supremo Tribunal Federal. Sem tanta burocracia, o setor fica mais à mercê de orientações ideológicas. Além disso, diferentemente de áreas como saúde e educação, não há na diplomacia movimentos da sociedade civil ou grupos de engajamento que a acompanham e fiscalizam. Isso significa que as consequências de uma política externa ruim podem danificar a sociedade antes que ela reaja. Sobre esse ponto, o chanceler Ernesto Araújo se defende. “Muito se escuta que o brasileiro não se interessa por política externa. Na verdade, o brasileiro não se interessava”, disse ele, apostando em uma mudança de rumo com o governo de Bolsonaro. Resta saber se conseguirá passar do apaixonado discurso para uma estratégia efetiva de defesa dos interesses nacionais sem transformar o tradicional “pisar em ovos” das relações diplomáticas em “pisotear os ovos”.
Pisar em ovos
Se de um lado foram vistos abraços e apertos de mão, de outro, países tradicionalmente parceiros do Brasil se ausentaram e podem ser reflexo de declarações polêmicas feitas pela nova equipe durante o governo de transição. Apenas 46 delegações internacionais estiveram presentes, a menor desde a redemocratização. Na posse de Dilma Rousseff, em 2011, vieram 130 delegações, enquanto da de Lula, em 2003, foram 110. Já na posse de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, foram 120, e na de Fernando Collor de Mello 72.
Outra presença que surpreendeu foi do presidente da Bolívia, Evo Morales, que após a os “desconvites” do governo de Bolsonaro aos governos venezuelano e cubano, representou a esquerda latino-americana.