Marcílio Souza
Na contramão do ocorrido em diversos países do mundo, em diferentes continentes, o novo coronavírus, oriundo da China, continua a promover registro diários de mortes em torno de 1 mil no Brasil, desde meados do mês de maio, segundo dados enviados pelos estados para o Ministério da Saúde. Apesar do vasto território brasileiro e da distribuição espacial da população, a realidade pandêmica por aqui começa a apresentar considerável desvio dos padrões internacionais. Este artigo aborda este assunto na tentativa de melhor entendimento e da promoção de reflexões pertinentes. Algumas dúvidas ficarão, ainda, sem respostas.
Em 26 de fevereiro de 2020 foi confirmado o primeiro caso do novo coronavírus no Brasil, em um homem de 61 anos que tinha retornado de viagem à Itália. Após 10 dias já eram confirmados 13 casos. Em um mês, o número de casos chegou a 2.915, com 77 pessoas mortas e registro de casos em todos os estados e no Distrito Federal. 60 dias depois do primeiro registro de infecção, o país tinha mais de 60 mil casos confirmados e mais de 4.200 mortes.
Números que vieram gradativamente subindo até atingir 1.448.753 casos e 60.632 óbitos na virada para o mês de julho. Desde o início, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro assumiram a liderança de casos e mortes. A origem do novo coronavíruos causador da COVID-19 na China, a propagação para outras partes do mundo, bem como o número de casos e mortes por lá, ainda não estão totalmente claros e transparentes; apesar da visível tentativa inicial do país em controlar e amenizar o problema, em demonstrar para o mundo que a epidemia não provocaria danos à economia chinesa.
A Organização Mundial da Saúde – OMS chegou a elogiar as ações do governo chinês no enfrentamento do novo coronavírus, antes de ser informada que o atraso de semanas na comunicação da epidemia à própria OMS permitiu um consequente atraso nas medidas de proteção de outros países, especialmente os europeus. Especialistas apontam que se o surto tivesse sido comunicado à Instituição com algumas semanas de antecedência, logo após o surgimento em Wuhan, a expansão da pandemia em outros países teria sido controlada.
O certo é que as falhas iniciais no enfrentamento do novo coronavírus promoveu uma rápida disseminação pelo mundo. Mesmo com a afirmação de que por meio de forte isolamento social (lockdown) e fechamento de fronteiras nos limites de Wuhan, houve um controle da expansão do novo coronavírus por outras cidades e regiões da China, o mesmo não ocorreu em outros países mundo afora que adotaram estas medidas, amplamente difundidas pela OMS e a grande mídia internacional e local.
Na prática, o trânsito de pessoas da China, inclusive de Wuhan, para outras partes do mundo, especialmente para a Europa e os Estados Unidos da América, bem como a entrada de pessoas para aquela região, continuou livre por meses, antes da COVID-19 ter sido caracterizada pela OMS como pandemia, em 11 de março de 2020. Muitas hipóteses estão sendo levantadas de que o SARS-CoV-2 já estava circulando fora da China bem antes dos primeiros casos terem sido notificados.
Hoje, existe a convicção de que os países seguidores das orientações da OMS, a partir da experiência chinesa, como a Itália, a Espanha, a França, os Estados Unidos e mesmo o Brasil, embarcando na prática do isolamento social, e até do lockdown, obtiveram números alarmantes de infectados e mortos em curto prazo de tempo. Enquanto outros países como Suécia, Bielorrússia, Coréia do Sul, Islândia, Vietnã e Taiwan, por exemplo, registraram números menores de mortos e mais elevados de imunização da população; por meio de distanciamento social, controle de pessoas infectadas e rastreamento de contatos, uso de máscaras, isolamento de grupos de risco e outras práticas simples. O Reino Unido que inicialmente optou por não fazer isolamento pesado e depois acabou adotando a prática também atingiu um número elevado de mortes.
Para melhor entender a expansão da COVID-19, importante esclarecer que foram necessários três meses para o mundo atingir a primeira marca de 1 milhão de infectados e somente oito dias para passar de 9 milhões para 10 milhões de casos. A rapidez de disseminação do novo coronavírus pelo mundo está diretamente ligada às possibilidades variadas de circulação de pessoas nas últimas décadas.
No início do mês de julho (03/07) o Brasil continua na segunda posição no mundo em números de casos (1.539.081) e mortes (63.174) por COVID-19, atrás apenas dos Estados Unidos da América (2.847.469/131.509). No entanto, quando relacionado o número de mortes por milhão de habitantes o país ocupa a 15 posição no ranking “Worldometer” (298 por milhão), liderado por San Marino (1.238 por milhão) e pela Bélgica (843 por milhão).
Por meses a fio, a máxima entre ‘especialistas’ e a mídia era que o isolamento social consistia na principal arma de proteção à COVID-19, e o Brasil embarcou de cabeça nessa quase determinação internacional, com respaldo da OMS. Por aqui, quem ousou apontar que existiam outras possibilidades de enfrentamento, demonstradas por meio de experiências mais eficientes, baratas e com menos prejuízos econômicos, foi duramente criticado pelos meios de comunicação, especialistas e muitos gestores públicos.
Com o tempo, cada vez mais tem ficado explícito que o isolamento além de não diminuir a infecção, causa diversos outros problemas, mais óbitos, e uma ruína nas economias, com forte possibilidade de danos maiores que os causados pela COVID-19, inclusive mortes, a médio e longo prazos. Muitas pessoas estão deixando de se tratar de outras enfermidades por medo de contrair o vírus nos ambientes hospitalares. Consultas ambulatoriais, exames e cirurgias estão suspensos na grande maioria das localidades.
Mesmo alguns especialistas, na contramão da máxima dominante, salientando que o isolamento extremo não iria evitar as infecções, e até elevá-las, em função dos ambientes fechados e desprotegidos dos lares e a constante infecção de pessoas que saiam das casas para trabalhar ou fazer compras, e retornavam, variados países optaram por apostar muitas cartas nessa medida, inclusive o Brasil, que atualmente enfrenta elevado número de casos e de mortes.
Não só por aqui, como em diversos outros países, o enfrentamento da pandemia ganhou contornos políticos e ideológicos, o que dificultou acertos nas ações e provocou erros generalizados. As disputas inviabilizaram medidas e diretrizes gerais. O uso de máscaras, que deveria ter-se tornado obrigatório desde o início da pandemia, só foi oficialmente determinado para todo o país no início deste mês, após a tramitação de um moroso processo nas duas casas do poder legislativo e a sanção presidencial. Uma determinação do Ministério da Saúde ou da Presidência da República não teria sido mais ágil, caso essa prerrogativa não tivesse sido retirada?
Após um mês e pouco dos primeiros casos no Brasil, no início de abril, o Governo Federal sinalizou para traçar as diretrizes nacionais de enfrentamento da COVID-19 e foi desautorizado pela corte superior de justiça. O poder de determinar as medidas e ações foi delegado aos estados e municípios, que por vezes, em função de divergências político ideológicas, mas também em função de interesses econômicos, em decorrência de volumosos repasses de verbas públicas, tanto erraram como exageraram no decorrer da pandemia.
Assim, por determinação do Superior Tribunal Federal – STF as decisões e ações de enfrentamento da COVID-19 foram atribuídas aos estados e os municípios, inviabilizando a definição de diretrizes nacionais por parte do Governo Federal. Esse fato promoveu inúmeras dificuldades no enfrentamento, especialmente na relação entre saúde pública e economia. Atualmente, a falta de diretrizes nacionais atrapalha e retomadas das atividades econômicas, causando acréscimos nas perdas e danos relacionados à pandemia.
Além das investigações de irregularidades, são muitas as decisões de estados e municípios judicializadas, o que definitivamente atrapalhou o enfrentamento e ainda atrasa o processo de reabertura das atividades econômicas. Por questões econômicas, políticas e, até, ideológicas, muitos estados e municípios estão atrasando a retomada. A única certeza é que quanto mais tempo de paralisação pior será a recuperação das perdas, econômicas e sociais.
Importante ter em mente que no Brasil, assim como em outras nações do mundo, especialmente na Asia e na África, existe uma subnotificação de casos em decorrência do baixo número de testes realizados, algo que interfere nos cálculos da letalidade, com tendência de elevação dos índices. De fato, a limitação na notificação de casos e a fragilidade de outros dados acabam assumindo papéis de fatores dificultadores no enfrentamento da pandemia, deixando os agentes públicos sem informações eficientes para alterar ou definir novas ações.
Mudando o foco, em pronunciamento no final do mês de junho, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, anuncia o envio de equipe para a China, com a missão de determinar a origem do novo coronavírus, seis meses após o comunicado da instituição sobre a aparição da doença. Em tom de alarmismo, sem explicar como será a missão e nem a composição da equipe, Tedros afirma que a pandemia está longe do fim, também sem apresentar detalhes. Parece que existe uma torcida para que o problema mundial se agrave. Há ganhadores com o novo coronavírus e a COVID-19?
Ao analisar as estatísticas da pandemia no Brasil e compará-las com as de outros países surgem discrepâncias, muitas dúvidas e inquietações. Em países como, Itália, Espanha, Estados Unidos, Austrália, Coréia do Sul, Nova Zelândia e Rússia, dentre outros, o numero de casos crescem até certo patamar, estabiliza e começa a cair. Mesmo nos Estados Unidos, com maior número de casos e mortes por COVID-19 no mundo, o numero de mortes a cada dia continua elevado, mas bem abaixo do pico de mortes que correu próximo dos 400 dia da pandemia .
No Brasil, de forma única no mundo, os números cresceram, mantiveram se em números elevados por muito tempo e não caem. Já são 60 dias com média próxima de 1000 novos registros de morte por dia. Por quê? Ou se trata de um coronavírus diferente do resto do mundo, ou há manipulação de dados, ou fatores territoriais do Brasil estão interferindo na pandemia por aqui, ou fatores políticos e ideológicos atuaram como impulsionadores das mortes, por meio de ações específicas, como a não disponibilização de medicamentos na fase inicial da COVID-19, uso de medicação apenas em fases avançadas da doença e a exagerada intubação de pacientes. Os dados disponíveis estão apontando para mais mortes em camadas menos favorecidas da estratificação social.
Por quê? Por aqui, apenas 8 estados da federação acumulam quase 80% (78,68%) dos óbitos por COVID-19 (03/07/2020). Surpreendentemente, os governadores destes estados fazem oposição ao presidente da república, Jair Bolsonaro (São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Pará, Amazonas, Maranhão e Bahia). Nota-se também que os estados onde os governadores fazem oposição ao Governo Federal os processos de retomada das atividades econômicas acontecem de forma mais lenta, com idas e vindas, abre e fecha, mesmo sem serem, por muitas vezes, apresentados dados concretos que justifiquem as decisões administrativas e políticas.
Uma observação mais atenta, faz a gente perceber a existência de convergências entre as narrativas, as informações publicadas, as defesas e as ações dos principais opositores ao Governo Federal: de governadores, prefeitos a parte da grande mídia e membros e militantes da esquerda e, até, parte do judiciário, inclusive ministros do STF. Existiria uma grande união de forças contra o presidente Jair Bolsonaro? Estão usando a pandemia para enfraquecer ou mesmo tentar derrubar o governo?
Avaliando a experiência brasileira no enfrentamento à COVID-19, não se pode deixar de abordar as variadas denúncias e investigações sobre irregularidades em compras e contratações, liberadas de licitações em decorrência do estado de emergência na saúde pública. Casos de possíveis fraudes em atos públicos estão pipocando país afora, em muitos estados e municípios, especialmente naqueles com mais casos e mortos, mas não exclusivamente.
Em suma, parece que existem interesses financeiros, tanto lícitos como ilícitos, na expansão da COVID-19 no Brasil. A lógica reinante em diversos entes federativos transparece ser: quanto mais casos e mortes mais recursos públicos a serem empenhados e, em função dos casos já investigados, até, desviados. Entretanto, não são poucos os casos de sucesso e de boa gestão publica no enfrentamento da pandemia por aqui. Assim como o município de Porto Feliz/SP, muitos outros, especialmente os administrados por médicos ou com gestores conhecedores das especificidades da área de saúde, obtiveram êxito na redução de casos graves e mortes por COVID-19, ao disponibilizar os medicamentos existentes para o tratamento precoce, ao aparecer os primeiros sintomas, ou mesmo na profilaxia da enfermidade. Apesar de críticas e da desqualificação das ações por parte da mídia e de outros gestores públicos, venceu o conhecimento prático, com menos influência política e ideológica.
Por meio da constatação dessas experiências, éticas e profissionais, surgem, naturalmente, uma reflexão e dois questionamentos. Se esse protocolo tivesse sido adotado no início da pandemia, com o respaldo do Ministério da Saúde e de outras áreas do Governo Federal a realidade relacionada à COVID-19 no Brasil deveria ser bem diferente. Quantas mortes teriam sido evitadas no país? Como teria sido a redução das perdas e danos, econômicas e na saúde pública? Não podemos esquecer de muitos casos de contratações e compras com valores justos, especialmente no âmbito do Governo Federal, mas também em estados e municípios.
No estado de Minas Gerais um hospital de campanha foi construído em Belo Horizonte com a participação da iniciativa privada, apesar dos exageros do governo municipal nas medidas de redução das atividades econômicas, em uma cidade com casos reduzidos de óbitos. Entretanto, com a falta de um comando central, com diretrizes gerais, levou o país a uma verdadeira Torre de Babel. Cada município cria e muda determinações a bel-prazer, por vezes sem qualquer convergência com determinações dos estados, que muitas vezes também são absurdas. Enquanto o Distrito Federal declara retomar todas as atividades até o início do mês de agosto, o governador do Goiás estabelece um inusitado “isolamento 14 por 14”, fechando tudo que não é essencial por 14 dias e abrindo quase tudo por 14 dias.
Embalados pelo governo estadual, prefeitos de cidades do entorno de Brasília determinaram lockdown nos finais de semana. Na cidade do Rio de Janeiro as pessoas já podem frequentar bares, restaurantes e praias, mas no estado do Rio Grande do Sul, com número reduzido de casos e óbitos, o governador diz que “os próximos 15 dias são cruciais. Fique em casa”. Na Bahia, a determinação estadual é para reforçar o isolamento e as variadas restrições; aí, aparece o prefeito de Itabuna falando que o comércio da cidade será reaberto, “morra quem morrer”. Em São Paulo chegam a mudar dias de rodízio de veículos e dias e horários do comércio abrir, sabe se lá orientados por quais dados. Ficaria aqui por dias escrevendo sobre exageros, abusos, absurdos e inconsistências, amplamente publicados em redes sociais e na mídia Brasil afora, por todos os cantos.
Recentemente, o pesquisador da Stanford University, doutor John Ioannidis, aponta que a mortalidade por COVID-19 entre pessoas com menos de 45 anos de idade é próxima de 0% e que a maior fatalidade está entre as pessoas com idades superiores aos 70 anos. Nessa perspectiva, estavam certos os que defenderam isolamento e cuidados especiais apenas para os grupos de riscos: idosos e portadores do comorbidades. As escolas sequer precisavam ser fechadas, assim como as atividades comerciais. Mas parece que as autoridades brasileiras não estão acompanhando as novas descobertas sobre o coronvírus e a COVID-19. Seguem firmes nos seus propósitos e projetos.
Por outro lado, as dúvidas e atrapalhadas da OMS no tocante ao poder de infecção das pessoas portadoras do novo coronavírus, mas assintomáticas, é outro fator importante para apontar a falta de necessidade de algumas medidas no enfrentamento da pandemia. Já o elevado índice de pessoas que foram infectadas em casa na cidade de Nova Iorque é um forte indicador da ineficiência do isolamento social ou do lockdown, assim como a grande quantidade de infectados e mortes em muitos países que praticaram isolamento e lockdown.
Outra dúvida que paira no ar e ninguém traz informações e respostas diz respeito a diminuição de óbitos por pneumonia e outras causas no Brasil nos meses de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, em detrimento da elevação do número de mortes por COVID-19. Por que enquanto dados do Datasus/MS (2018) indicam elevação de óbitos por pneumonia e gripe nos meses de maio a julho, pico dos casos, os dados do Portal de Transparência do Registro Civil apontam redução nos óbitos em função de pneumonia e outras causas, de janeiro a junho de 2020, na medida em que o número de óbitos por coronavírus se eleva no mesmo período? De 1 de janeiro a 3 de julho de 2019 morreram 57.331 pessoas de pneumonia, quando no mesmo período em 2020 foram 48.912 óbitos, por exemplo.
A pandemia da COVID-19 ganha contornos surpreendentes quando comparadas algumas estatísticas entre duas nações declaradamente alinhadas: Estados Unidos e Brasil. Os estados azuis de lá, que votaram na candidata Hillary Clinton, democrata, foram mais atingidos pela COVID-19, com maiores números de casos e de mortes, do que os estados vermelhos, republicanos, apoiadores do governo Donald Trump na última eleição.
Aqui, estados com governadores de oposição ao governo Bolsonaro, apresentam mais casos do novo coronavírus e óbitos por COVID-19. Por quê? Maior adesão ao isolamento e ao lockdown? Menor uso dos medicamentos disponíveis para a fase inicial da doença? Densidades populacionais mais elevadas? Manipulação de dados da saúde pública? Sabemos que parte das respostas de questões apresentadas neste artigo nunca aparecerá, por questões políticas e ideológicas. Algumas virão à tona com o passar do tempo.
Investigações científicas e práticas, isentas e imparciais, tornam-se cada vez mais necessárias. O mais visível é que além dos políticos, o jornalismo e a ciência no Brasil têm se deixado influenciar pelas disputas políticas e ideológicas. Em função disso, muitas pautas e temas não têm sido abordados e pesquisados, nem práticas eficientes e com baixo custo foram adotadas em momentos certos da pandemia. A linha da curva que não baixa é resultado dos embates sociais existentes. As mortes de muitos não importam para alguns envolvidos nas disputas, especialmente as dos mais pobres. Até quando?