Rodrigo Craveiro
Ebrahim Raisi, presidente eleito do Irã: “Qualquer negociação que garanta nossos interesses nacionais será apoiada por nós, mas não amarraremos a situação econômica de nosso povo às negociações” – (crédito: Atta Kenare/AFP)
O primeiro discurso de Ebrahim Raisi como presidente eleito do Irã teve destinatário certo: os Estados Unidos. O ultraconservador descartou uma reunião com o presidente norte-americano, Joe Biden, pediu a suspensão das sanções econômicas e financeiras impostas pelos EUA ao regime persa e exigiu negociações frutíferas sobre o programa nuclear de Teerã.
Aliado do aiatolá Ali Khamenei, Raisi avisou que o seu país não vai negociar “apenas pelo simples prazer de negociar”. Ele alertou que qualquer acordo deve produzir resultados para a nação iraniana. Raisi não descartou reativar os laços diplomáticos entre Irã e a sunita Arábia Saudita, um de seus maiores adversários na geopolítica do Oriente Médio. Ao ser questionado se pretendia se encontrar com Joe Biden, após um eventual alívio das sanções, ele respondeu de forma taxativa e sucinta: “Não”.
Sob o governo de Donald Trump, os EUA retiraram-se do Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA) — pacto firmado, em 2015, com Irã, China, França, Rússia, Reino Unido e União Europeia, a fim de impedir Teerã de fabricar armas nucleares.
Ao sinalizar uma política linha-dura no âmbito da defesa, ele advertiu que o desenvolvimento de mísseis balísticos e a influência iraniana sobre atores regionais — a presença de milícias xiitas em nações vizinhas — são questões inegociáveis. “Minha séria recomendação aos governo dos EUA é para que retomem imediatamente os seus compromissos, levantem todas as sanções e mostrem que têm boa vontade”, declarou. “Temas regionais e mísseis não são negociáveis.”
Embaixador do Irã em Brasília, Hossein Gharibi não vê um endurecimento de Teerã em relação ao acordo nuclear, após a eleição de Raisi. “O presidente eleito Ebrahim Raisi disse que solicitou à equipe de negociação iraniana um relatório sobre o último estágio das discussões em Viena. Ele revisará o dossiê com a equipe de política externa e, em seguida, refletirá sobre o processo”, declarou ao Correio.
Segundo o diplomata, a exigência de levantamento de todas as sanções, com base no JCPOA, sempre foi abertamente repetida pelo Irã. “Na verdade, foram as sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos, em violação à resolução 2231 do Conselho de Segurança da ONU, que levaram à situação atual. Desde o início, o Irã tem insistido que a parte que violou o acordo deve cumprir, de forma completa e verificada, os seus compromissos. Assim, reassumiremos os nossos compromissos nucleares”, afirmou. “Nada de novo foi dito. O senhor Raisi apenas enfatizou novamente a posição de princípio a esse respeito”, acrescentou.
Ontem, o Irã anunciou o fechamento temporário de Bushehr, sua única central nuclear, situada em cidade de mesmo nome, no sul do país. A justificativa foi de “falha técnica”, que obrigou à desconexão da usina atômica da rede elétrica nacional.
Execuções
Raisi garantiu que, ao ocupar o cargo de subprocurador de Teerã, tudo o que fez foi “para defender os direitos humanos”. Mahmood Amiry-Moghaddam — porta-voz da organização não governamental Iran Human Rights — disse ao Correio que Raisi “é um dos poucos presidentes com evidências suficientes para ser condenado no Tribunal Penal Internacional por crimes por contra a humanidade, por seu papel indiscutível na execução em massa de vários milhares de prisioneiros políticos em 1988”. “Ele também é responsável por muitas outras execuções e por outras violações dos direitos humanos nas últimas quatro décadas; entre elas, um jornalista e um homem executados por ingerir álcool em 2020. Raisi é a face real da República Islâmica do Irã”, afirmou.
De acordo com Mahmood, o Irã executou 109 presos neste ano. “Nos anos eleitorais, a maioria das execuções ocorrem no segundo semestre. Estamos muito preocupados com uma possível onda de execuções nos próximos meses.”
Duas perguntas para Hossein Gharibi, embaixador do Irã em Brasília
Quais mudanças o Irã exige no acordo nuclear?
O Irã quer ter certeza de que todas as partes retomem seus compromissos, conforme estipulado claramente no Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA), de 2015, e endossado pela Organização das Nações Unidas. Nada deveria impedir o Irã de aproveitar os benefícios econômicos do acordo. O ex-presidente norte-americano Donald Trump e seu governo impuseram muitas sanções contra Teerã com esse propósito. É bem lógico que tais sanções deveriam ser basicamente declaradas nulas. Nenhuma mudança é necessária, mas, sim, retornar aos compromissos originais de todas as partes.
Caso os EUA decidam readerir ao JCPOA, qual seria o papel deles nesse processo?
Se os Estados Unidos voltarem a cumprir com suas obrigações, a comissão conjunta do JCPOA decidirá sobre a readesão de Washington. Como resultado das conversações em curso, os arranjos para esse fim serão decididos por parceiros de negociação. Todos esperam que os EUA desempenhem seu papel construtivo como um Estado responsável e que se distanciem das políticas catastróficas de Trump. Este é o único requisito.