Em um cenário internacional de crescente interdependência, a diplomacia e a prática consular têm assumido, cada vez mais, papel de relevo nas dinâmicas das Relações Internacionais contemporâneas. Na verdade, a diplomacia integrada às redes consulares representa pilar expressivo também para desenvolvimento econômico e social dos Estados além de sua vocação natural para a promoção cultural e para o intercâmbio acadêmico-científico. A diplomacia é o canal pleno de interlocução e de harmonização das diferenças entre os vários atores externos em um mundo de entropia e assimetrias.
A diplomacia é tão antiga e remonta ao contexto histórico pré-westphaliano (pré-Guerra dos Trinta Anos, findada em 1648). Isto é: a prática diplomática, enquanto instituto negocial do Estado, já era evidenciada no Império Romano em seu período expansionista. Sua evolução transformadora foi constante e teve continuidade durante a Idade Média. Na transição renascentista, houve o divisor de águas (ponto de inflexão). Há autores que confirmam que a primeira missão diplomática de cunho permanente se deu em meados do século XV, no norte da Itália. A partir daí a missão diplomática transformou-se de itinerante para de cunho permanente com o reconhecimento de proteção aos seus oficiais.
A prática diplomática se estrutura, especialmente, na defesa dos interesses nacionais por meio da construção permanente do entendimento, da promoção do jogo de soma positiva e da cooperação convergente entre os atores estatais e não estatais na esfera externa. No campo consular, tal prática tem-se revelado essencial para a preservação da paz, da promoção do comércio, da integração econômica e da cidadania em aspectos mais amplos, reforçando os preceitos da própria Carta da ONU.
Ao longo dos tempos, tem havido transformação no que tange à natureza estrutural da diplomacia ao longo dos séculos: da diplomacia amplamente aceita, da diplomacia secreta do século XVII, ao século XIX com a total abolição legal da mesma, instituindo a diplomacia aberta e publicista. Esta, inclusive, foi uma das preocupações em Versalhes (1919), embora com êxito diminuto. Após a Segunda Guerra Mundial, esse foi um intento fundamental dos vencedores. A Carta da ONU em seu artigo 102 faz uma clara alusão à proibição da diplomacia secreta que tanto gerou instabilidades, conflitos e rivalidades.
A natureza da diplomacia representa o processamento e a análise dos signos explícitos e implícitos da comunicação verbal e não verbal dos vários países e também dos organismos internacionais. Sua estrutura semântica é própria dos signos sutis de mensagem entre emissor e receptor. A história da diplomacia não pode ser estudada de forma isolada ou estanque. Assim, seus fundamentos linguísticos são atrelados a uma prática pontual de exercício constante de manifestação de poder, comando e persuasão.
Neste momento, surge a seguinte indagação provocadora: é a diplomacia arte? É apenas práxis? É mero instrumento exclusivo do Estado para articulação e exercício de sua agenda política? É uma manufaturada maneira de “encantar os ouvidos” (Shakespeare)? Como classificar a diplomacia – como práxis institucional de um dos órgãos do Estado nas Relações Internacionais?
Preferimos entender diplomacia – especialmente no campo consular com seus papeis sociais e cidadãos – de maneira tripla e indissociável: diplomacia é, simultaneamente, práxis, arte e política. Em outras palavras, diplomacia pode ser nata, portanto, de estética artística aprimorada, é práxis, pois se materializa na efetividade do contato pontual na implantação das diretrizes estabelecidas pelo Estado com sua política externa e, por fim, também é política, pois envolve fluxos e refluxos de articulações multidimensionais.
Como consequência direta, a prática diplomática representa canal de diálogo, de representação e de negociação entre os Estados nacionais. Também tem dimensão informativa para a grande imprensa e também de defesa dos cidadãos estrangeiros – em passagem ou residindo permanentemente – no nosso Estado. Regida pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares (CVRC) de 1963, a diplomacia consular materializa a prática de cidadania, servindo de contatos e de importantes substratos para formulação de política externa.
O processo de articulação e implantação de um consulado – ponto fulcral de tal aspecto da diplomacia – envolve negociações bilaterais de alta densidade entre os ministérios das Relações Exteriores e outros atores políticos de relevo. Tal articulação está baseada, antes de tudo, no princípio do consentimento mútuo dos dois países. Por isso mesmo, deveremos promover empenho cadenciado e esforços concentrados para valorizar esse legado internacional e ampliar, ainda mais, as redes consulares existentes para fins de promoção do desenvolvimento econômico-comercial, da cidadania participativa e da cooperação bilateral entre os povos.
Precisamos, portanto, da diplomacia e das relações consulares saudáveis e estabilizadas como ativo de poder e como nicho de cooperação entre os povos. Jamais podemos desviar os nossos olhares e nossas práticas de tal máxima. Os erros e omissões em tal campo são, geralmente, de consequências incomensuráveis. Desta forma, ao preservar a diplomacia como alavancar de poder e ênfase estabilizante dos Estados-Nações conseguiremos evoluir como sociedade internacional, preservando os ideais de harmonia e de integração pacífica.
Bacharel e Mestre em Relações Internacionais pela Indiana University of Pennsylvania, EUA. Doutor em Ciência Política pela UFPE. Cônsul Honorário de Malta em Recife. Presidente da Sociedade Consular de Pernambuco, 2010-2019. Professor e Coordenador do Curso de Ciência Política da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Comentarista da Rádio CBN Recife com o quadro diário “Relações Internacionais e Diplomacia”. Email: consulado@maltaconsulrecife.eu.