IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – Protagonistas da crise entre a Otan e a Rússia, forças de Moscou, Kiev e Washington fazem exercícios militares perto da região disputada do Donbass, no leste da Ucrânia.
A flexão de músculos bélicos vem em um momento de escalada da tensão na região, que levou o presidente dos EUA, Joe Biden, a requisitar uma reunião de cúpula com Vladimir Putin em um telefonema na terça (13). Fiel a seu estilo, o presidente russo esnobou nesta quarta. “É muito cedo para falar dessa reunião em termos tangíveis. É uma proposta nova e será estudada”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Enquanto isso, o próprio Putin conversou nesta quarta com o presidente finlandês, Sauli Niinistö, para discutir a realização do encontro no país, que não integra a aliança militar ocidental. O relato foi feito pelo gabinete de Niinistö.
A mais recente cúpula entre Putin e um presidente americano ocorreu exatamente em Helsinque, logo após a final da Copa do Mundo da Rússia, em 2018.O russo vai tentar capitalizar ao máximo seu movimento de concentrar 83 mil soldados na Crimeia e nas regiões próximas da fronteira da Ucrânia nas últimas semanas.
O movimento, que o Ministério da Defesa afirma ser para exercícios a serem realizados nas próximas duas semanas, disparou alarmes em Kiev e no Ocidente. Eles foram uma resposta às movimentações militares ucranianas perto das áreas ocupadas por rebeldes pró-Rússia desde 2014, quando Putin anexou a Crimeia e fomentou a guerra civil no país vizinho depois que o governo simpático ao Kremlin foi derrubado em Kiev.
Enquanto a movimentação diplomática começa, após duas semanas de acusações mútuas e ameaças, todos os lados se mexem. A Rússia começou nesta quarta a fase de treino de disparos reais de suas forças navais no mar Negro, que banha toda a área em disputa. Sua frota local fica em Sebastopol, principal cidade da Crimeia, numa base que já era arrendada dos ucranianos antes da anexação.
O exercício visa intimidar os dois destróieres da classe Arleigh Burke, armados com mísseis de cruzeiro, que devem entrar no mar Negro entre quarta e quinta, vindos do Mediterrâneo por meio dos estreitos da Turquia. Pelas regras da Convenção de Montreaux, de 1936, países que não são banhados pelo mar precisam avisar o envio de navios de guerra para lá aos turcos e só podem ficar por tempo limitado na região, cerca de 20 dias no caso de dois destróieres.
O governo russo alertou que eles devem ficar distantes da Ucrânia e da Crimeia, e os exercícios militares são um recado objetivo nesse sentido. Moscou também acusa a Otan de mover 40 mil soldados para áreas próximas da Rússia, algo que a organização negou. Já a Ucrânia conduziu nesta quarta dois exercícios. Num deles, simulou um contra-ataque a uma invasão de tanques russos pela península da Crimeia. No outro, montou uma grande operação antiterrorismo em toda a região de Kharkiv.
Essa ação chama a atenção por ser adjacente às fronteiras norte das duas autoproclamadas repúblicas rebeldes da região do Donbass. Controle de movimento em estradas e checagem de pessoal sempre é visto como prenúncio de uma ação maior. Mas isso parece fora do contexto, apesar da pressão interna para que o impopular presidente Volodimir Zelenski tente reconquistar ao menos alguns pontos do Donbass enquanto pede ajuda à Otan.
Nesse sentido, a tática de Putin de mostrar os dentes pode se provar válida, ao evitar um confronto pelo risco da escalada de uma guerra com a Otan, e ao mesmo tempo forçar seu intento principal, que é o de implementar acordos de 2015 que mantêm as repúblicas na Ucrânia, mas de forma autônoma.
Esse arranjo ocorreu na Geórgia após uma breve guerra em 2008, e manteve o país do Cáucaso longe do ingresso da Otan. Para a Rússia, é inconcebível que a Ucrânia se una à estrutura militar ocidental, já que o país historicamente providenciou profundidade estratégica ante forças invasoras europeias.