Rodrigo Craveiro
Estados Unidos anunciam a retomada da ajuda à Faixa de Gaza e à Cisjordânia e liberam US$ 250 milhões. Israel adverte que auxílio financeiro contribui com a perpetuação do conflito. Washington e Bagdá acertam remoção de tropas
Foram 958 dias desde que o republicano Donald Trump anunciou a suspensão do repasse de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,12 bilhão) aos palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, aproximou-se de Israel e ficou mais distante de um acordo de paz entre judeus e árabes. Ontem, a administração do presidente democrata, Joe Biden, decidiu reverter essa política e abrir os horizontes para a possibilidade de costurar o fim do conflito Oriente Médio. “Os EUA têm o prazer em anunciar que, trabalhando com o Congresso, planejamos retomar a ajuda econômica, de desenvolvimento e humanitária para o povo palestino”, declarou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, por meio de uma comunicado.
“Isso inclui US$ 75 milhões (R$ 420 milhões) em assistência econômica e de desenvolvimento; US$ 10 milhões (R$ 56 milhões) em programas de construção da paz, por meio da Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA (Usaid) e US$ 150 milhões (R$ 841 milhões) em ajuda humanitária à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA)”, disse o chefe da diplomacia dos EUA. Em conversa com o rei Abdullah II da Jordânia (leia abaixo), Biden reiterou o compromisso com uma solução para o conflito baseada em dois Estados.
Os palestinos também receberão US$ 15 milhões (R$ 84 milhões) para combater a pandemia da covid-19 e a insegurança alimentar. Em outra decisão importante, os governos dos EUA e do Iraque acordaram a retirada de todas as tropas de combate norte-americanas do país. Apenas um pequeno contingente de treinamento permanecerá em território iraquiano. “As partes confirmaram que a missão dos Estados Unidos e as forças da coalizão entraram em uma transição focada no treinamento e aconselhamento, permitindo assim a redistribuição de quaisquer tropas de combate restantes no Iraque, para o qual o cronograma será estabelecido em um diálogo técnico”, anunciaram os países em um comunicado conjunto após uma reunião virtual.
O governo de Israel advertiu a Casa Branca que a decisão de retomar a ajuda aos palestinos “somente ajudará a perpetuar o conflito”. “A posição de Israel é que a organização, em sua forma atual, perpetua o conflito e não contribui para sua resolução. A renovação da ajuda à UNRWA, portanto, deve ser acompanhada por mudanças substanciais e necessárias na natureza, nos objetivos e na conduta da organização”, advertiu o Ministério das Relações Exteriores israelense.
Embaixador
Em entrevista ao Correio, Ibrahim Alzeben (foto), embaixador palestino em Brasília (leia Duas perguntas para), disse acreditar que a retomada das negociações para um acordo de paz no Oriente Médio depende exclusivamente da vontade da classe política israelense. “Israel vive os efeitos do terremoto político que levou o país a quatro eleições consecutivas. Se a classe política não resolver e não enfrentar o problema com objetividade e seriedade, esse ciclo vicioso continuará. Israel cumprirá com os compromissos como ente internaiconal ou não? É problema que devem resolver”, comentou. O diplomata aposta que Biden, a comunidade internacional e aliados de Israel podem fazer muito para convencer este Estado “a aterrissar, colocar os pés nos chão e ver as coisas no seu tamanho e dimensão”. “A paz é direito de todos, palestinos e israelenses”, lembrou Alzeben.
Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, o iraquiano Alon Ben-Meir classificou como “sábia” a decisão do governo Biden de renovar o apoio financeiro aos palestinos. “Independentemente da posição dos palestinos, privá-los de ajuda financeira não faz nada além de agravar ainda mais suas relações com Israel. Ao reiterar o compromisso com uma solução para o conflito baseada em dois Estados, Biden sinaliza com um gesto bem-vindo. Eu espero que esta mensagem seja ouvida, em alto e bom som, pelos israelenses”, disse ao Correio.
Sobre a retirada do Iraque, Ben-Meir considera a medida “atrasada”. “Nos últimos anos, as tropas norte-americanas no país diminuíram de tamanho e não foram mais úteis, especialmente depois da derrotra do Estado Islâmico (EI). Embora isso possa agradar ao Irã, no geral a decisão de remover os militares é inteligente, pois sua presença na região não mais se mostra necessária”, explicou.
» Duas perguntas para Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília
Como o senhor recebeu a notícia da retomada de ajuda dos EUA aos palestinos?
Nós recebemos com satisfação o gesto da gestão norte-americana. Corrigir um erro é sabedoria. A administração anterior (Trump) submeteu o povo palestino a castigos e pressões que afastaram a possibilidade de uma solução (do conflito). O gesto que aplaudimos corrige um erro e abre as portas às esperanças de que a solução pacífica do conflito e o fim da ocupação são viáveis e possíveis.
Há mais otimismo em relação a uma reaproximação com os EUA?
Sou otimista sempre. Nunca perdemos o otimismo nem a esperança. Esperamos que os EUA priorizem a solução para o conflito. A nova administração pode fazer muito, entrando pela porta principal: o fim da ocupação de seis décadas. Não adianta pular o muro ou entrar entrar pelo buraco, como Trump fez. O senhor Biden tem tudo para entrar na história, com apoio e dedicação da comunidade internacional, cansada de tanto derramamento de sangue. (RC)