“Há necessidade de uma intervenção militar para conter a violência. Também temos de abordar as causas subjacentes, que são as circunstâncias socioeconómicas no terreno. Mas é óbvio que o Governo moçambicano está a ter dificuldades para controlar a situação”, afirmou hoje à Lusa o especialista em questões da África subsaariana do Instituto Tony Blair (TBI).
Conhecedor do extremismo islâmico em África, em particular da história do grupo Boko Haram, a organização ‘jihadista’ estabelecida no nordeste da Nigéria que alastrou para o Chade, Níger e norte dos Camarões, Bukarti publicou no ano passado, em coautoria com Sandun Munasinghe, um estudo sobre a situação em Moçambique.
Na altura, o analista do Instituto para a Transformação Global, fundado pelo antigo primeiro-ministro britânico, já reivindicava a necessidade de uma contraofensiva militar devido ao risco de agravamento da situação na região de Cabo Delgado, norte do país. Os recentes ataques armados à vila de Palma, a cerca de seis quilómetros de grandes projetos de exploração de gás natural, são, na sua opinião, um “momento da verdade”.
“É o primeiro ataque em que cidadãos ocidentais foram claramente o alvo pelo local do ataque e como ele foi lançado. Foi um ataque em três frentes, o que mostra a sofisticação e a crescente ameaça do grupo. E também é o primeiro grande ataque aos às empresas de gás natural”, afirmou à Lusa.
A intervenção militar regional, disse Bukarti, deve envolver a África do Sul e outros Estados vizinhos devido ao risco de a violência se espalhar para países como o Maláui, e lembrou que a neutralidade inicial do Chade relativamente ao Boko Haram, o qual acabou por atacar também aquele país.
“Sabemos que é quase impossível para o grupo lançar ataques contra a África do Sul a partir daquela parte de Moçambique, mas não é improvável que mobilizem apoiantes na África do Sul”, vincou. O potencial envolvimento militar dos Estados Unidos ficou facilitado após terem classificado os grupos armados que atuam em Moçambique, conhecidos localmente como Ansar al-Sunna ou Al-Shebab, como organizações com vínculos com o Estado Islâmico (ISIS).
Bukarti admite a necessidade de uma ofensiva à semelhança daquela feita contra o ISIS que levou à queda do califado no Iraque e norte da Síria, que mobilizou forças locais com o apoio de bombardeamentos aéreos e logística internacionais como dos EUA e Reino Unido. “As insurgências nunca são derrotadas num dia. O exemplo do Iraque e da Síria mostra que, se houver uma ofensiva maciça e sustentada, é possível dizimá-los em três ou seis meses. O que sobraria seria cerca de 10%, o que poderia ser enfrentado gradualmente”, afirmou à Lusa.
Bukarti não acredita que o treino militar oferecido por Portugal e outros parceiros seja suficiente e receia que a demora numa intervenção possa beneficiar os terroristas a aumentar a capacidade, recrutando mais pessoas e lançando novos ataques. “Se olharmos para este ataque, eles atacaram bancos para roubar dinheiro e armazéns para roubar comida para tentar aumentar a capacidade. O que podemos ver a seguir é outro grande ataque ainda maior do que este ataque [em Palma] e a continuação da expansão territorial”, avisou.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, disse hoje que o seu Governo está a avaliar com os parceiros internacionais as necessidades de ajuda na luta contra o “terrorismo”, assinalando que o combate aos grupos armados deve ser feito pelos moçambicanos.
O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na semana passada o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, mas as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas reassumiram completamente o controlo da vila, anunciou no domingo o porta-voz do Teatro Operacional Norte, Chongo Vidigal.
Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora haja relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.
Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito, de acordo com dados das Nações Unidas.