O Movimento de Desobediência Civil de Myanmar anunciou esta sexta-feira que pelo menos 34 das 45 cidades do distrito de Sanchaung formaram “corpos governamentais populares” que apoiam Aung San Suu Kyi, eleita democraticamente mas impedida pelas forças militares de tomar o poder.
Um dia antes, o Movimento de Desobediência Civil tinha apelado, através do Twitter, a “todas as embaixadas de Myanmar pelo mundo a representarem o povo de Myanmar, e não a junta terrorista”.
O apelo chegou depois de a embaixada birmanesa nos Estados Unidos ter dito estar “profundamente perturbada pelas mortes dos cidadãos que utilizaram o seu direito de se exprimirem desde 1 de fevereiro” e anunciado que iria continuar a representar “o Estado soberano da República de Myanmar” e os interesses do seu povo.
Os Estados Unidos decidiram inclusivamente aplicar novas sanções às forças militares devido à morte de dezenas de civis às mãos das mesmas. Desde o início dos protestos, a 1 de fevereiro, pelo menos 60 pessoas morreram e 1700 foram detidas, incluindo 29 jornalistas.
Entretanto originou-se uma outra crise diplomática, neste caso sobre quem representa Myanmar nas Nações Unidas, em Nova Iorque, depois de o nomeado pelas forças usurpadoras se ter demitido e de a missão birmanesa da ONU ter confirmado que Kyaw Moe Tun continuaria no seu cargo, independentemente da vontade dos militares.
As forças militares tinham destituído Kyaw Moe Tun no sábado, depois de este ter apelado aos países na Assembleia Geral das Nações Unidas a que “usassem todos os meios necessários” para reverter o golpe de Estado.
O forte papel das mulheres nos protestos
Esta sexta-feira, manifestantes na cidade de Thaketa voltaram a agrupar-se depois de alegadamente terem sido atingidos por granadas de atordoamento. Imagens divulgadas nas redes sociais mostram centenas de participantes a transportar escudos improvisados, óculos de proteção e máscaras para se protegerem das forças de segurança.
Muitos dos participantes neste e nos restantes protestos desde o golpe de Estado são mulheres, cujo papel na resistência aos militares tem sido significativo e tomou especial destaque depois de, numa manifestação pacífica, uma jovem de apenas 18 anos ter sido baleada na cabeça.
“Ela é uma heroína para o nosso país”, disse ao New York Times Ma Cho New, uma amiga próxima de Kyal Sin, que morreu na sequência dos disparos. “Ao participar na revolução, a nossa geração de jovens mulheres mostra que não somos menos corajosas do que os homens”.
A forte participação de mulheres nos protestos lança também uma mensagem poderosa aos militares que retiraram o poder a uma líder civil do sexo feminino, reimpondo uma ordem patriarcal que até hoje tem suprimido os direitos dessas mulheres.
Na quarta-feira, mais duas jovens foram baleadas na cabeça e outra perto do coração, perdendo a vida apenas por se manifestarem pacificamente.
O episódio aconteceu mesmo depois de, no início da semana, as estações televisivas controladas pelos militares terem anunciado que as forças de segurança tinham indicação para apenas dispararem em caso de autodefesa e sempre para a zona das pernas, evitando vítimas mortais.
Há semanas que grupos de mulheres médicas têm voluntariamente patrulhado as ruas de Myanmar para tratar dos feridos nos protestos, mais uma vez contrariando os estereótipos de género num país onde a tradição manda que as roupas que cobrem a metade inferior dos corpos de mulheres e homens sejam lavadas separadamente, de modo a que o espírito feminino não contamine o masculino.
Num gesto de desafio, as mulheres têm pendurado os chamados htamein (espécie de saia tradicional) em torno de áreas de protesto de modo a protegê-las, por saberem que muitos homens evitam supersticiosamente passar por baixo dessas peças de roupa.
Em alguns casos foram mesmo afixadas aos htamein fotografias do general Min Aung Hlaing, o chefe do exército que orquestrou o golpe de Estado, de modo a afrontar a sua virilidade.
YouTube elimina contas geridas por militares
Também numa tentativa de contrariar a tomada de poder militar, esta sexta-feira o YouTube disse ter removido as contas das emissoras Myawaddy Media, MRTV, WD Online Broadcasting, MWD Variety e MWD Myanmar, geridas pelas forças militares birmanesas.
“Eliminámos um número de canais e removemos vários vídeos do YouTube por violarem as orientações da nossa comunidade”, justificou a rede social em comunicado.A empresa adiantou ainda que, nos últimos meses, já removeu cerca de 20 canais e mais de 160 vídeos por discurso de ódio, assédio, práticas fraudulentas e violência.
A mais recente decisão surge depois de o Facebook ter anunciado que iria apagar dessa rede social todas as páginas ligadas às forças militares de Myanmar. A população birmanesa está a manifestar-se contra a tomada de poder pelas forças militares a 1 de fevereiro, na tentativa de retirar da liderança Aung San Suu Kyi, que em 2015 venceu as primeiras eleições democráticas em Myanmar após décadas de ditadura.
O golpe militar do mês passado foi imediatamente contestado pela população e originou os maiores protestos em décadas no país asiático, com milhares de pessoas a pedir que Suu Kyi fosse libertada e que o poder seja de novo colocado nas mãos dos civis em prol da democracia.