BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – A política alemã entra neste sábado (16) em um dos períodos de maiores disputas e incertezas das últimas duas décadas. Numa votação online durante o final de semana, 1.001 delegados vão escolher o novo chefe do principal partido da Alemanha, a CDU (União Democrática Cristã), da atual chanceler, Angela Merkel.
Mais que uma disputa interna, a decisão afeta os rumos do partido e da própria política da Alemanha. Após 16 anos no poder, Merkel já anunciou que não concorrerá a um novo mandato, o que deixa aberta a batalha por sua sucessão nas eleições parlamentares de setembro.
Na disputa deste sábado estão três candidatos com visões políticas distintas: o centrista Armin Laschet, primeiro-ministro da Renânia do Norte-Vestfália, o relativamente progressista Norbert Röttgen, ex-ministro do Meio Ambiente, e o mais direitista Friedrich Merz, advogado corporativo.
Mas nenhum deles chega nem perto da popularidade de Merkel, o que coloca mais uma dose de indefinição sobre a sucessão da premiê: a chance crescente de que outros dois políticos concorram a chanceler. Nessa raia paralela estão o atual ministro da Saúde, Jens Spahn, e o premiê da Baviera, Markus Söder.
Spahn nega que pretenda concorrer e, na eleição de sábado, apoia Laschet, que pode se tornar o azarão da disputa. Em último lugar nas pesquisas, o jornalista é o mais próximo de Merkel e se apresenta como a garantia de continuidade do centrismo promovido por ela. Em debates, ele tem defendido que as pessoas não querem uma ruptura com a era de estabilidade conquistada pela chanceler. Nesta semana, recebeu o endosso de cinco líderes partidários do leste e oeste do país.
Já Söder, atual líder da CSU (irmã menor da CDU na Baviera), observa de fora a disputa, torcendo por uma vitória de Röttgen —o que, segundo analistas, poderia lhe dar mais chances na indicação a candidato a chanceler, que acontecerá provavelmente em março.
A seleção do candidato a chanceler é tomada em conjunto entre a CDU e a CSU, mas o partido de Merkel, muito maior que a CSU, costuma ter preferência. A irmã menor da Bavária perdeu a escolha nas duas vezes em que apontou um candidato.
Söder, porém, pode mudar essa história. O político bávaro não confirmou seu interesse na vaga, mas é de longe o favorito dos alemães para esse posto, tanto entre os que declaram voto na CDU-CSU quanto entre os eleitores em geral. São 54% e 38%, respectivamente, os que dizem que, com ele para premiê, o partido de Merkel obteria mais facilmente a vitória nas eleições parlamentares.
Na votação deste sábado, porém, é Merz quem lidera a preferência dos delegados da CDU, ao menos nas pesquisas. Sua eleição representaria uma guinada à direita e um primeiro passo para recuperar eleitores que deram fôlego à ultradireitista AfD nos últimos anos, descontentes com a política de imigração de Merkel.
Mas o bloco de dentro da CDU teme que um rumo excessivamente conservador fortaleça uma coalizão mais à esquerda (com verdes e sociais-democratas), e isso pode levar Merz à derrota num segundo turno da escolha interna –a votação é secreta. Para uma parcela significativa do partido, a melhor rota para manter a força e relevância é justamente uma coalizão com o Partido Verde, segunda força eleitoral na Alemanha de hoje.
Os verdes teriam 20% dos votos se as eleições para o Parlamento fossem hoje, de acordo com o Politbarometer mais recente, logo atrás do partido de Merkel, com 37%. O social-democrata SPD vem em terceiro, com 16%. O partido de ultradireita AfD recebeu 10% das intenções, a Esquerda, 8%, e o FDP (de centro-direita), 5%.
Para analistas como Sophia Besch, pesquisadora do Centro para Reforma Europeia, e Christian Odendahl, economista-chefe do think-tank, além da profusão de candidatos viáveis à sucessão de Merkel, a CDU também precisa levar em conta como a chanceler reposicionou o partido e a própria política alemã nos 16 anos do seu governo.
O perigo, para eles, é que a saída de Merkel faça desaparecer a correia que mantinha unida uma ampla coalizão de eleitores em torno da CDU, que lhe deu quase a maioria dos votos em 2013. O estilo da chanceler, de adiar decisões até que um consenso se forme, foi importante para mantê-la numa posição de centro sem desgastar demais as alas mais conservadoras ou progressistas do partido.
“Merkel nunca se envolveu em políticas de ‘guerra cultural’, recusando-se a usar conflitos sobre valores e crenças para angariar apoio entre os partidários leais e dividir eleitorados”, escrevem os analistas.
Durante seu governo, por exemplo, ela permitiu a aprovação do casamento gay, ao qual pessoalmente se opôs, e desligou reatores de energia nuclear no país, apesar da forte controvérsia. Sua atuação na crise da imigração, em 2015, também ganhou para a CDU uma parcela dos eleitores de origem estrangeira, que antes desconfiavam dos partidos conservadores e favoreciam sociais-democratas e políticos de esquerda.
Seja quem for o sucessor de Merkel, ele não poderá contar com a força política de 84% de aprovação entre os alemães, obtida pela atuação no combate à Covid-19 –uma boa vontade que tende a arrefecer quando a pandemia for controlada. Sem esse pivô político, cresce a importância das coalizões para formar o governo.
“Sob Merkel, o parceiro de coalizão pouco importou para a Europa. Foi ela quem decidiu o curso da política da Alemanha. Uma coalizão diferente sob nova liderança pode não ter a experiência ou autoridade de Merkel”, afirmam Besch e Odendahl.
Os analistas acreditam que qualquer futuro chanceler eleito pela CDU vai preservar o legado de Merkel de apoio à União Europeia e visão dos EUA como parceiro crucial. Mas os rumos do partido podem fazer diferença em temas como comportamento ou imigração.
Críticos de Merz consideram preconceituosos seus comentários sobre homossexuais e refugiados, e ele é francamente menos popular entre mulheres e eleitores de centro, um elemento-chave para a força de Merkel nos seus 16 anos de poder. Além disso, todos os cinco nomes prováveis para ocupar o lugar da chanceler são homens.
Merkel havia apostado numa mulher como sua sucessora, a ex-ministra da Defesa Annegret Kramp-Karrenbauer, que assumiu a liderança do partido em 2018. AKK, como é conhecida, acabou renunciando numa crise de liderança provocada por uma aliança da CDU com a ultradireitista AfD no estado da Turíngia, em fevereiro, acabando com os planos de uma transição tranquila.
O novo quadro pode pôr a perder a reconquista do eleitorado feminino, promovida por Merkel desde 2005. A CDU voltou a ser a principal escolha das mulheres nas eleições a partir de 2009, mas um panorama mais hostil pode empurrar as eleitoras para o Partido Verde, segundo na preferência feminina nas eleições de 2017.
QUEM SÃO OS CANDIDATOS À CHEFIA DA CDU
Armin Laschet, 59
Jornalista, é o atual primeiro-ministro da Renânia do Norte-Vestfália, o estado mais populoso da Alemanha. Católico de centro, como governador assumiu a proteção da indústria como prioridade.Sua gestão da pandemia foi considerada ruim (saúde pública é competência estadual na Alemanha) e é o candidato com menos chances de levar a CDU a uma vitória, segundo os alemães em geral e entre os eleitores de seu partido (4%, em pesquisa deste mês). Mas a eleição em dois turnos pode transformá-lo em surpresa.
Norbert Röttgen, 55
Advogado, é ex-ministro federal do Meio Ambiente, visto como modernizador na CDU e relativamente progressista, apesar de ter votado contra o casamento gay. É o presidente do comitê de relações exteriores do Parlamento alemão (Bundestag).Para 11% dos eleitores em geral e 8% dos que votam na CDU-CSU, ele seria o candidato a chanceler com melhores chances nas eleições gerais. Sua vitória como líder significaria a manutenção do curso cauteloso imposto por Merkel.Seu perfil progressista, porém, pode empurrar parte dos eleitores para a direita liberal (FDP) ou para a ultradireita (AfD).
Friedrich Merz, 65
Advogado corporativo milionário, concorreu à liderança da CDU em 2018 e perdeu por pouco para AKK. É conservador linha-dura e pró-negócios, e foi um dos maiores rivais de Merkel no início dos anos 2000. De acordo com pesquisa deste mês, 18% dos alemães e 21% dos que votam no partido acreditam que, como candidato a chanceler, ele daria as melhores chances à CDU-CSU. Sua vitória colocaria o partido no rumo da direita, de olho em votos da AfD, mas pode empurrar ainda mais eleitores para o Partido Verde.
QUEM MAIS PODE VIRAR CANDIDATO A PREMIÊ
Jens Spahn, 40
Atual ministro federal da Saúde, formou-se em ciência política e direito. Da ala conservadora do partido, disputou a eleição para liderança da CDU em 2018, mas ficou atrás de Merz e AKK.Gay e casado, ele poderia atrair uma faixa mais jovem que a dos eleitores tradicionais do partido. Sua popularidade, em alta durante vários meses de pandemia, foi afetada nas últimas semanas pela campanha de vacinação, vista como lenta.Só 9% dos alemães e 7% dos eleitores da CDU-CSU apostam nele como o melhor candidato a chanceler para o partido.
Markus Söder, 54
Atual chefe da CSU (“sócio minoritário” da CDU) e primeiro-ministro da Baviera, formou-se em direito e é político profissional desde 1994. No início ultraconservador e crítico de Merkel, passou a ser líder ambiental e apoiador da chanceler. Com a popularidade em alta, aparece na frente dos outros quatro na preferência dos membros do partido para se tornar premiê, e pode se aliar a Röttgen de olho nessa oportunidade.