Sempre fiz restrições ao ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Antônio Delfim Neto. Seus erros, mesmo no falso “milagre brasileiro”, sempre superaram os acertos. Ele próprio provou isso quando voltou a ser o czar da economia como ministro do Planejamento do general Figueiredo, de agosto de 1979 a março de 1985. Na sua gestão, o Brasil quebrou e teve de renegociar a dívida externa (em 1982). Para mim, um dos seus grandes acertos foi sua tese de formatura, no começo dos anos 60, quando considerou que o Brasil não podia ficar dependente do café, responsável por mais de 70% das receitas cambiais. No Brasil, o cultivo do café desde os primórdios no Vale do Paraíba e na Zona da Mata de Minas Gerais, nas encostas dos morros que ficaram estéreis pela erosão, permitia quase exclusivamente a monocultura com mão de obra escrava. E o método de colheita (a derriça) era altamente danoso: o ato de puxar folhas e frutos (maduros ou não) resultava na obtenção de um café de qualidade duvidosa (e baixa cotação). Mas o pior vinha nos danos ao próprio pé, que ficava ressentido e a produção caía no ano seguinte. A ciclotimia de quantidade deprimia os preços (de um café menos qualificado que o colombiano, colhido pelo método da catação limitada aos frutos maduros) e tornava frágil o planejamento econômico do país. Foi assim por décadas.
Passando da palavra à ação, quando foi ministro da Fazenda do marechal Costa e Silva (1967-69), continuando até 1974, com a prorrogação do mandato-tampão do general Garrastazu Médici, após atuação exitosa na Secretaria de Fazenda de São Paulo, no governo Laudo Natel, Delfim lançou o slogan “Exportar é o que importa”. A instigação ganhou aliado valioso. A produção de soja, introduzida no Rio Grande do Sul, no governo Leonel Brizola, de 1959 a 63, ajudou o país a diminuir a dependência do açúcar, do café e do cacau (os dois primeiros, no Brasil Colônia, e 3º, já no Império). Se a crise de 1929 já tinha deixado isso patente, as crises do petróleo confirmaram que o “ouro negro” do café não tinha cacife para bancar as importações de petróleo (na crise de 1973, o Brasil só produzia 15% do seu consumo).
Hoje o complexo da soja (grão, farelo e óleo), cuja produção foi se deslocando para o Paraná, Centro Oeste (Mato Grosso produz mais de 40% da soja, do milho e do algodão do país) e o MaToPiBa (sul dos estados do Maranhão, Tocantins e Piauí, além do Noroeste da Bahia), responde por 14% das exportações brasileiras. Considerando que o frango é a conversão de milho e soja em carne em 40/45 dias e que a carne de porco vai pelo mesmo processo, com prazo maior, de até um ano entre a gestação e o abate, pode-se dizer que a soja (+ frango + carne de porco) já responde por mais de 20% das exportações brasileiras. Outros produtos importantes na diversificada pauta de exportação brasileira são o minério de ferro, o petróleo em bruto, o milho, o açúcar, o algodão, e a pasta de celulose. Na área de manufaturados (automóveis, caminhões, ônibus, máquinas agrícolas e aviões), o ano de 2020 acentuou a retração das vendas para o Mercosul (sobretudo a Argentina) e o Chile. E o café, deve estar você perguntando? Há mais de três décadas representa menos de 4% das exportações totais do país.
Na história do Brasil, pequenos gestos ajudaram a abrir mercados para os nossos produtos. A imperatriz Maria Leopoldina, da nobreza austríaca, que foi a primeira esposa de D. Pedro I ajudou a difundir na Inglaterra o hábito de usar açúcar no tradicional chá das cinco, ampliando as exportações da colônia. Quando a economia brasileira ficou vulnerável ao 1º choque do petróleo, “mascates” brasileiras saíram pelo mundo afora, sobretudo pelos países produtores de petróleo, tentando vender, com a prestimosa ajuda dos quadros dos embaixadores do Itamaraty, novos produtos “made in Brazil”. Foi assim que o frango “halal” brasileiro conquistou os países muçulmanos, roubando espaço da França e dos Estados Unidos.
Anualmente, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Kuwait, Catar, Iêmen e Indonésia absorvem mais de mil toneladas de carne de frango, ou 40% das exportações de aves. Nos anos 80, em plena crise da dívida, quando o Iraque de Saddam Hussein chegou a ser o maior fornecedor de petróleo do Brasil, o Passat produzido pela Volkswagen do Brasil, com tapetes coloridos, ajudava a pagar a conta, junto com a carne de frango e outros alimentos do agronegócio. Aos poucos, graças à Bacia de Campos, a dependência caiu e viramos exportadores com o pré-sal.
Com a explosão do crescimento chinês neste 3º milênio, o Brasil começou a reduzir a dependência das exportações para a Europa, os Estados Unidos, o mundo árabe, o Japão e os países da América Latina. Com o ingresso acelerado de boa parte dos 1,4 bilhão de chineses no mercado de consumo e na economia dirigida de mercado, o país comandado por Xi Jinping virou, de longe, o principal destino das exportações brasileiras. São fatias de 50% a 70% das vendas brasileiras no caso da soja, das carnes bovinas, suínas e de frango, do petróleo, do minério de ferro, do açúcar, do milho, do algodão e da celulose de eucalipto e das madeiras. Com um detalhe, os chineses querem produtos de qualidade, quantidade e preço. Não estão muito preocupados com os métodos de produção. Tanto faz se seguiram os preceitos do Alcorão, no caso dos países muçulmanos, da Torá, no caso dos consumidores judaicos, ou os ditames do Acordo de Paris, no caso da afronta ao meio ambiente.
De quebra, como tem reservas cambiais gigantescas, os capitais chineses mantêm o giro dos títulos do Tesouro dos EUA e de países europeus. De outra parte, com os avanços que conseguiram em telecomunicações, transportes e gestão de infraestrutura, por sua fome de minérios, de energia, à base combustíveis de origem fóssil, e de alimentos e matérias-primas intermediárias, viraram grandes investidores nos países que podem virar supridores de longa duração. É assim que desembarcaram na América Latina e na África (onde a Odebrecht vendeu a Lula a ideia de que o apoio do governo brasileiro às empreiteiras em projetos locais em Angola, Gana, Guiné-Bissau, Moçambique e Nigéria daria, em troca, o voto desses países à reforma da ONU e o ingresso permanente do Brasil no Conselho de Segurança duplicado para 10 membros fixos (hoje, EUA, Rússia, China, França e o Reino Unido). Os chineses não só abriram linhas de crédito 10 vezes superiores aos empréstimos do BNDES, como passaram a entregar (muitos anos antes de provarem sua rapidez na pandemia da covid-19) hospitais com todos os equipamentos prontos em menos de um ano, com a mão de obra (soldados) chinesa.
A capacidade de aliança dos chineses ao fechar com 15 países da Ásia o 2º maior acordo comercial do mundo, indica, portanto, de que se trata de um “freguês” especial. Que deveria merecer extrema consideração. Não só das empresas que foram abrir mercado para os produtos brasileiros não apenas na China, mas onde há possibilidade de negócios regulares, nos quatro cantos do mundo. Era de se esperar que o Itamaraty e os principais setores do governo brasileiro fizessem essa diplomacia. Só que não.
Assim como afrontou (no conjunto) o 2º destino dos produtos brasileiros, que é a União Europeia, com a negação dos danos ao meio ambiente cometidas com o beneplácito dos órgãos que deveriam exercer a fiscalização e o combate às irregularidades, o governo Bolsonaro passou a dar murros em ponta de faca desde a bisonha participação no Forum Econômico Mundial de Davos (Suíça), em 2019, quando quis negar o óbvio: o aumento do desmatamento, seguido pelas queimadas na Amazônia. Um ano e meio se passou. A negação continuou na pandemia, que nos leva a 175 mil mortes esta semana. Perdemos o apoio financeiro da Alemanha e da Noruega ao Fundo da Amazônia. O vice-presidente, Hamilton Mourão, com o chanceler Ernesto Araújo, levou grupo de embaixadores da Europa e outros países para sobrevoar uma parte da Amazônia ainda não devastada para provar que a mata está intacta. Seria como mostrar que não houve devastação da Mata Atlântica no Vale do Paraíba e Zona da Mata de Minas, com sobrevoo limitado à Serra dos Órgãos.
Mas o pior mesmo é a continuação do “abraço de afogado” ao governo Trump, derrotado na reeleição por mais de 6 milhões de votos e no Colégio Eleitoral pelo Democrata Joe Biden. Imagina se o filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tivesse sido aprovado pelo Senado para a Embaixada do Brasil em Washington? Se fora do governo, na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, já tem “queimado” os hambúrgueres e outros produtos exportados para a China, com a reprodução das acusações absurdas aos chineses da Huawei como responsáveis por espionagem industrial no caso da instalação da futura banda 5G, prevista para as telecomunicações em 2021. Isso para não falar da queima à ponte para diálogo com a nova administração Democrata pelos próximos quatro anos.
Os empresários do agronegócio reagiram em coro ao destampatório que gerou reação também inadequada, pelas redes sociais, da parte da embaixada chinesa. Mas uma nota divulgada 6ª feira, 17 de novembro, pela Conexis Brasil Digital, entidade que congrega as quatro grandes operadoras de telefonia do país (Vivo, Claro, TIM e Oi), que usam mais de 40% de equipamentos da Huawei em seus sistemas das bandas 2G, 3G e 4G, indicou os imensos prejuízos para as operadoras (a serem transferidos aos consumidores em aumento de custos) se for decretada a descontinuidade do uso dos equipamentos e sistemas da Huawei. A troca pelos sistemas da Ericsson (sueca, com parceria da Cisco, americana) ou da finlandesa Nokia, que tem parceria com a americana Microsoft, exigiria volumosos gastos. O recente perdão de 50% das multas devidas pela Oi à Anatel (renúncia de quase R$ 4 bilhões, que serão parceladas em 84 meses) é só a ponta do iceberg. E a Oi está com tantas dificuldades que seria retalhada para as três concorrentes.
Que interesses estão defendendo o governo Bolsonaro e o Itamaraty? Empresários do agronegócio e do setor financeiro (que dependem da abertura dos mercados à rolagem dos créditos levantados nos centros financeiros mundiais) já alertaram o governo para não descuidar da proteção ambiental. O descaso pode nos custar retaliações de mercados e de crédito. As grandes empresas de telecomunicações querem liberdade de opção. A diplomacia do Itamaraty no governo Bolsonaro faz muito barulho por nada. Aliás, fez muito barulho ao se atrelar de mala (diplomática) e cuia às ideias de Donald Trump. Que já era. E faz o papelão de não cumprimentar Biden pela vitória.
Dois lembretes
1- Será que gastamos todas as velas ao chorar Diego Maradona? O que faremos quando Pelé nos deixar? Maradona foi o jogador mais “ligado” na bola desde os anos 80, quando Pelé deixou os gramados. Mas Pelé era único.
2 – Em tempos de reeleição, prefeitos usam e abusam o Dr. asfalto para tentar disfarçar, no recapeamento das ruas, que “tudo vai bem, obrigado”. A Petrobras bateu o recorde de venda de asfalto em outubro. Mas o ex-futuro prefeito Marcelo Crivella (63 anos) fez mais: no debate viu-se que não fora um acidente, quando surgiu, há uma semana, com ferimentos na testa. Recapeou a própria face para tentar ficar jovem como o futuro alcaide, Eduardo Paes (51 anos).