Hussein Kalout
Despertaram curiosidade nos círculos político e diplomático, em Brasília, os preparativos da repentina visita do Subsecretário de Estado para Economia, Energia e Meio Ambiente do Departamento de Estado dos EUA, Keith Krach. O seu desembarque está previsto para este fim de semana. A sua missão especial, no apagar das luzes do governo Trump, tem endereço certo: 5G!
Os observadores mais atentos desconfiam que a visita de Krachtem por objetivo arrancar do Brasil,viade claração bilateral conjunta ou por meio de memorando de entendimento (instrumento preferido da administração Trump),o compromisso de excluir a chinesa Huawei do processo de licitação do 5G. Essa seria a segunda viagem ao Brasil de alta autoridade norte-americana para tratar do mesmo assunto, em menos de um mês, após a visita do Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Robert O’Brien.
Em recente peregrinação ao leste europeu, Krach foi bem-sucedido em granjear compromissos formais similares de governos como os da Bulgária e da Albânia. A estratégia americana baseia-se fundamentalmente em obter compromissos formais de exclusão dos chineses. O Brasil é peça central na geopolítica do 5G e no embate correspondente entre Washington e Pequim.
Costura feita em sintonia com integrantes da ala ideológica do governo Bolsonaro indica que o entendimento pode vir a ser sacramentado em jantar que será oferecido, no próximo dia 10 de novembro, pelo embaixador americano em Brasília, Todd Chapman. Estariam também presentes Krache os ministros das Relações exteriores, Ernesto Araújo, e das Comunicações, Fábio Faria.
Ao governo brasileiro está sendo apresentado o argumento de que uma concessão formal por escrito seria um bom ponto de partida para aproximar o presidente Bolsonaro de Joe Biden– independentemente das preferências pessoais de cada um.Demostraria, ademais, que os dois países estão alinhados na estratégica de contenção do poder da China no mundo. Supõe-se que o gesto ajudaria a diminuir a resistência a Bolsonaro do novo governo americano.
Da perspectiva americana, a reunião trilateral entre Brasil, EUA e Japão (por videoconferência), prevista para acontecer durante a visita de Kracha Brasília, possui potencial limitado. Os japoneses não demonstram empolgação em firmarum documento conjunto anti-China que seja explícito e incisivo. Por outro lado, os EUA não desejam declaração desidratada. Por isso, o foco da visita é mais o Brasil e menos o encontro trilateral.
Se o Brasil pretende, de fato, banir a participação da China no processo do 5G – como querem os ávidos integrantes da ala ideológica do governo –,a pergunta lançada pelos especialistas tem lógica e sentido: Por que fazer uma concessão aTrumpse o próprio governo Bolsonaro pode guardar a carta para melhor negociá-la logo à frente?
A pressão americana é para o Brasil se comprometer com o chamado programa ‘Clean Network’ que exclui explicitamente a China do fornecimento de equipamento 5G. Se a opção fora de trilhar o caminho da exclusão dos chineses, seria mais efetivo do ponto de vista estratégico considerar o compromisso em momento mais oportuno – de aproximação com governo Biden – e consubstanciá-loem contexto de concessões recíprocas.
Se o governo Bolsonaro despender prematuramente esse trunfo e ao mesmo tempo irritar a China, o Brasil ficará totalmente vendido,sobretudo se EUA e União Europeia deixarem o Brasil isolado e sob ameaça de sanções por conta de sua política ambiental. Seria uma aposta pouco perspicaz cair na armadilha de aderir prontamente a um memorando de entendimento para acenar a intenção de construir bom relacionamento com o futuro governante americano e evitar o isolamento do Brasil no mundo.