Os norte-americanos decidem, nesta terça-feira (3/11), se querem continuar sob a gestão do republicano Donald Trump ou se querem voltar a ser comandados por um democrata, no caso Joe Biden. Na gestão de Jair Bolsonaro, no Brasil, os Estados Unidos foram eleitos como o parceiro prioritário do país, especialmente devido à admiração pelo magnata nutrida pelo presidente brasileiro, que já afirmou claramente torcer pela reeleição. Assim, uma vitória democrata poderá representar um grande desafio para o Brasil em termos de relações exteriores, acreditam especialistas.
“O presidente Bolsonaro, infelizmente, descumpriu uma regra da diplomacia, segundo a qual ele é o diplomata número um. Então, ele jamais poderia manifestar suas preferências em relação a eleições de outros países”, destaca a professora Neusa Maria Pereira Bojikian, pesquisadora Instituto Nacional de Estudos Políticos sobre os EUA (INCT-INEU). “É evidente que Joe Biden terá anotado esse ato, que não trará nenhuma vantagem para a relação bilateral entre as duas nações, se ele vier a ser eleito”, nota o professor de relações internacionais do Insper Carlos Eduardo Lins da Silva.
Além do presidente, um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), também declarou apoio a Trump. Para a professora Bojikian, colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais Unesp-Unicamp-PUC-SP, esse é mais um ponto que não passou despercebido pelos norte-americanos. Como resposta, o parlamentar foi alvo de uma mensagem da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Estados Unidos, que pediu para a família Bolsonaro não interfirir na campanha do país. “Esse constrangimento também passa pelo Congresso, quando Eduardo Bolsonaro provoca ao fazer posicionamento ainda mais explícito”, acrescenta.
No entanto, caso Biden seja eleito, os Estados Unidos continuarão interessados em mater uma relação amistosa com o Brasil. “Quando essa regra é quebrada, tende a existir um atrito, mas isso depende das partes envolvidas. A gente tem, do lado de cá, um mais explosivo, que fala sem medir as consequências. Do lado de lá, tem o Biden, que é mais pragmático. Isso não quer dizer que ele vai facilitar as relações, mas ele tende a adotar um perfil de diálogo, a favor da cordialidade e da ponderação”, destaca a professora.
“Biden e sua equipe deverão ter comportamento profissional no exercício de seu governo. Não creio que, além de antipatia pessoal justificável, isso possa, por si só, causar dano grave ao Brasil. Creio que o próprio governo brasileiro tentará acomodar a situação e desfazer possíveis ressentimentos”, acrescenta Lins.
O problema poderá ser maior, na avaliação do professor, caso, além de uma vitória de Biden, os democratas conquistem também a maioria na Câmara e no Senado. “Eles vão se manter próximos ao Brasil enquanto for do interesse deles. Mas, se houver o que a gente chama de grande onda azul, como fica esse governo do Brasil provocando esse poder?”, indaga Lins.
Acordos entre as duas partes
O que faz os especialistas acreditarem em uma posição pragmática por parte dos americanos são os interesses dos Estados Unidos, que comemoraram um acordo para abolir algumas barreiras não tarifárias, celebrado em outubro, e um o de uso da base de Alcântara (MA), vigente desde março.
O professor Pedro Feliú, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), aponta alguns prejuízos para o Brasil caso o governo americano resolva dificultar a vida de Bolsonaro. “O prejuízo a curto prazo poderia ser a paralisação das promessas de cooperação dos EUA com o Brasil, notadamente linha de crédito, e transferência de tecnologia militar, entre outros. Assim como o Trump congelou o TPP (Trans Pacific Partnership) negociado pelo Obama, Biden pode congelar essa cooperação com o Brasil”, afirma.
Para Neusa Bojikian, no entanto, o Brasil não precisa se preocupar em relação aos acordos já celebrados. “Essa agenda continua e é do interesse dos democratas, porque os acordos são benéficos para os Estados Unidos. Eles não têm interesse em desfazer esses entendimentos. Agora, eles podem ser revistos para trazer mais ou menos concessões”, destaca.
Já um acordo de livre comércio entre as duas nações não deve acontecer tão rapidamente, seja qual for o resultado das eleições. Isso porque existem muitos obstáculos para uma parceria desse tipo, como o fato de os dois países serem concorrentes comerciais — ambossão grandes exportadores de commodities.”Um acordo desse tamanho leva anos de negociações”, explica Neusa.
Uma vitória de Biden poderia atrasá-lo um pouco mais, no entanto. Os democratas já sinalizaram que não têm interesse na pauta e, em uma carta, parlamentares do partido de Biden se posicionaram contrários, devido ao presidente ser Jair Bolsonaro, que dá reiteradas declarações contrárias ao espírito de defesa dos direitos humanos, e tem colocado em prática uma política ambiental muito criticada no exterior.
Meio ambiente
A questão ambiental, por sinal, pode ser foco de conflito em caso de uma vitória democrata. Em agosto, Biden propôs um pacote de US$ 20 bilhões para ajudar o Brasil no desmatamento da Amazônia. A proposta gerou críticas por parte de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
“Biden tem fortes compromissos assumidos de defesa de direitos humanos, meio ambiente, igualdade de gênero. O governo Bolsonaro tem adotado políticas que violam esses princípios.Pode-se esperar que o eventual governo Biden atue com o objetivo de não apoiar tais políticas”
Carlos Eduardo Lins, professor do Insper